Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Ruy Belo, Boca Bilingue
(estrofe de Morte ao meio-dia)
Havia chão terra
que mudava de cor e cheiro
consoante a estação
Nele se cravavam mãos arado
e a pão o aroma crescia depois
Havia árvore:
ramos folhas e frutos
e ninhos e ovos e pássaros
e garotada em alvoraço dependurada
na descoberta do universo e de si
E havia roupa esgarçada
e ralhos de mãe
A vida tem memória nas coisas
que ficaram daquele tempo ainda
Ainda pela precaridade de tudo
E tudo é homem é terra água ar
do tempo em que havia tempo
como no tempo das férias grandes
agora quase nada
que se faz pó e cinza
Hoje há compram-se
comportas de brincar aos pobrezinhos
resorts a abarrotar excentricidades
ruralidades plastificadas
tudo ao gosto do cliente kitsch
E as serras queimam-se
para requalificar ao jeito de quem vier:
rolas árvores quintais avós...
de preferência importados
Há alguém que se importe?
Poucos são os que, importando-se, se baseiam no real valor das coisas. Porque muitos dos que se importam, estão apenas interessados em arranjar culpados e, daí, retirar as suas vantagens, sejam elas políticas ou outras.
ResponderEliminarHaja mais chão terra para todos, resumindo...
Excelente poema, parabéns.
Bom fim de semana, caro Agostinho.
Abraço.
Espero que sim... Porque há memórias felizes que descobrimos nesse tempo que não podemos deixar que se esqueça de nós..
ResponderEliminarGostei muito.... Vou estar fora uns dias; regresso a 29.
Beijos e abraços
Marta
Que saudade me trouxe esse "havia"
ResponderEliminarBom dia, lhe desejo eu, enquanto há tempo para lho desejar
Gostei muito de te ler...
ResponderEliminarMuito bem regressado, Amigo... e com o pé direito...
Quem não gostava de subir às árvores? Até eu, quando menina
gostava de isolar-me nesses refúgios... Belas recordações!...
A ironia da última estrofe está brilhante e assaz perfeita.
O meu abraço, hajota.
~~~~~~~~~
Há tanta coisa aqui expressa
ResponderEliminarque me trouxe os tempos
em que eu era feliz e o não sabia.
Tão bem retratada está a dura realidade actual.
Dói-me o coração, Agostinho.
Não, ninguém se importa...
Bem-Vindo, Amigo!
Um beijo.
Há quem se importe com tudo isso, mas quem se importa a voz não conta, infelizmente. Boa tarde Agostinho
ResponderEliminarMuito belo este poema, meu Amigo Agostinho.
ResponderEliminarUm poema a resgatar instantes do passado guardados na memória. Com o tempo lento da infância. Os gestos inocentes. O vagar da terra. A voz da mãe. A casa. O aroma do pão e da fruta.
Depois, o sobressalto deste tempo. Aquilo que não o deixa indiferente. Porque se perturba. Porque se emociona. Porque se importa.
Eu também me importo.
Parabéns e obrigada Poeta.
Um beijo.
Muito atual, muito sério, muito intenso.
ResponderEliminarDe facto, "quem se importa?" . Ninguém se importa...
Beijinho poético...
Um dia seremos de novo crianças
ResponderEliminarJá somos
Abraço
quando o presente se enrola no passado e traz memórias boas (muito)
ResponderEliminare quando se questiona o porque no presente de certas atitudes que não se entende muito bem
mas quero crer que sim...que alguém se importa
muito belo
beijinhos
:)
Um poema reflexivo e que leva à reflexão.
ResponderEliminarO ontem e as memórias românticas e do hoje, que memórias ficarão?
Gostei muito :)
beijinho
Há quem não se verga
ResponderEliminarAbraço
O ontem e o hoje, Agostinho.
ResponderEliminarNão precisava de haver uma mudança tão radical.
Mas houve e temos que nos conformar com isso.
Aquele abraço, boa semana
Tudo era natural... e autentico... no tempo em que havia tempo...
ResponderEliminarHoje em dia... com a falta de tempo... dá-se um jeito até de apreçar o tempo... para tudo mudar, a nosso belo prazer... queimar para requalificar... é só um exemplo...
Ruralidades plastificadas... é mesmo isso, a que se assiste, nas poucas áreas rurais... que ainda teimam em persistir... aqui e além... por entre o que ainda falta arder...
Um poema extraordinário... pela assertividade e contundência... que me ficará também debaixo de olho... para qualquer dia destacar umas palavrinhas, lá no meu canto, com um link para aqui, se me permitir, Agostinho!
Adorei cada palavra! Beijinho! Continuação de uma feliz e inspirada semana!
Ana
Sim, poeta, "havia chão terra", uma realidade em que a natureza era
ResponderEliminarcompanhia em todos os lugares; na janela, no jardim, no quintal,
nas praças. Todas as brincadeiras com o pé descalço, a sentir a terra
e as árvores no percurso poético dos ventos. Havia mãe que limitava
no equilíbrio da disciplina e cuidados de afetos...
A importância desta experiência-história da vida ao natural,
da memória de um poeta, a caminhar com as palavras em um
grande e belo voo em testemunho que "havia chão terra" com
a brincadeira da vida no brilho de ser criança!...
Adorei!!!
Bjs
Sim, havia tanta maravilha.
ResponderEliminarE há tanta vontade de destruir...
Pena!
abraço
Lola
A leitura do texto nos leva a muitas reflexões. Um texto excelente. AbraçO
ResponderEliminarEu importo-me... entristeço-me.
ResponderEliminarDizem que é doença da globalidade, mas será só isso?
Não será também, a ganância... a vaidade...o vazio?
Beijinho.:))
Passei para ver as novidades.
ResponderEliminarMas gostei de reler o teu excelente poema.
Bom resto de semana, caro Agostinho.
Abraço.
De mão cheia, Agostinho!
ResponderEliminarAndava já um pouco esquecido deste "mundo" em que te espraias como poeta (culpa da tua prolongada mas bem justificável pausa). Mas, que delícia, ao regressar!
Permite-me só um reparo (vais desculpar-mo porque me conheces muito bem):
Quando deres os últimos retoques antes da publicação em livro, melhora as últimas duas estrofes, sobretudo a última... Ficam um pouco deslocados aqueles estereótipos prosaicos e politicóides de "requalificar ao jeito de quem vier"; "de preferência importados"; "há quem se importe?" No meu modesto entender, o poema, muito belo, já é suficientemente incisivo sem esses acessórios que nada têm de poéticos e que lhe retiram elegância...
Bella imagen y poesía, un placer visitar tu blog.
ResponderEliminarBesos.
Apreçar?!?! É apressar... é no que dá as pressas... :-D
ResponderEliminarPorque o tempo... é um bem sem preço...
Passando para deixar um beijinho, e os meus votos de uma boa semana! E aproveitando para corrigir os meus erros de português... :-D
Ana
São tantas mudanças, e o homem destruidor pouco se importa com as avarias que causa ao planeta. Um excelente texto que nos remete á reflexão.
ResponderEliminarGostei do seu blog Agostinho.
Abraço!
Nem tudo foi bom ontem, nem tudo é bom hoje.
ResponderEliminarContinuam os ralhos de mãe e garotos formatados ao século XXI que necessitam urgentemente de terra, lama e pó. Água no chão, fruta pendurada na árvore para despertar a consciência de que nada cresce sem a importância das coisas mais simples.
Eu importo-me!
Lindo poema que se converte em dura realidade.
Abç
Tudo o chão leva. Os babeiros de chita aos folhos redondos, os calções e joelhos rotos no escorrega das ribadas, as fisgas, os peões, a macaca, as bonecas de pano, as histórias nas noites longas de inverno...e tudo vai perdendo a força, na força que ainda persiste em ser menino/a.A mãe vai partindo o coração, o pai perdendo a razão naquela autoridade de dizer NÃO! Tudo parte. Mas o tempo ainda nos segura para testemunhar a nossa índole, a nossa arte.
ResponderEliminarBeijinho, A.
Feliz de quem tem, pelo menos, boas recordações de infância!
ResponderEliminarPorque na aridez que fica depois que o fogo tudo consome, há que procurar forças onde as houver para sobreviver a tanta mudança.
Para além de um lindo poema... uma óptima reflexão.
Obrigada pelas boas vindas na minha "CASA".
Continuação de boa semana.
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Ainda há quem se importe, sim.
ResponderEliminarQuem escreveu o poema e quem o sente como seu, por exemplo.
Abraço com votos de bom fim de semana
Raramente alguém de verdade se importa e quando se importar trate de abraçar :)! Beijo
ResponderEliminarOlá, boa noite! estou devorando a sua página de conteúdo instigante! tenha um fim de semana fabuloso!!!
ResponderEliminarPassando... para deixar um beijinho, e os meus votos de continuação de uma excelente semana!...
ResponderEliminarAna
Vim à procura de mais...
ResponderEliminarMas gostei de reler este teu excelente poema.
Bom fim de semana, caro Agostinho.
Abraço.
Havia chão terra . Há ainda terra onde se plantaram as flores que vao partindo . Há terra onde as árvores plantadas se vão deixando cair em pedaços no chão . E dele vêm agora os aromas da saudade , noutro outono sem idade .
ResponderEliminarBji , A.
É meu amigo poeta, o planeta está lotado. Não cabe mais ninguém e o pior - cada vez mais desértico pelos desmandos dos homens, cada vez mais inóspito pela vingança reativa da natureza. Portugal foi exemplo das queimadas. EUA e ilhas caribenhas pelos furacões, Brasil agora pela estiagem e antes pelas inundações... e segue o cortejo... Belo poema, amigo! Parabéns! Grande abraço. Laerte.
ResponderEliminarQué razón tienes que la vida tiene memoria de las cosas.
ResponderEliminarMe ha encantado tu poema.
Un placer estar en este precioso rincón.
Un beso y feliz tarde.
Belo poema! reflexivo e nostálgico!
ResponderEliminarDeixando um beijinho e votos de um feliz domingo, e uma óptima semana!...
ResponderEliminarAna
Uma boa pergunta e reflexão para este mundo plastificado e sem graça, se comparado ao passado, no quesito peraltices, brincadeiras e liberdade na infância. Que saudade das minhas nonnas. Não conheci meus nonnos, já tinham partido, quando aqui cheguei. Saudade das casas com muros baixos e portões permanentemente destrancados.
ResponderEliminarAdorei a foto, para mim uma viagem ao mundo encantado!
Um beijo Agostinho e bom domingo.
Há sim, há gente que se importa. Poetas como tu! Vozes que vão em poesia, deste quilate, deste apuramento da palavra. E acredito que, embora não pareça, vão equilibrando o mundo.
ResponderEliminarFoi um sublime momento de leitura.
Bj Agostinho
(Tenho demorado pois, cada vez mais, o tempo me é escasso; há afetos e projetos que me chamam, sempre em urgência...)
Esqueci: grata pela citação, em que me detive; belíssima pintura, muito bem escolhida
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