domingo, 24 de dezembro de 2017

O natal que vai de mim a ti


A todos os amigos um abraço de Boas Festas


Fonte Wikipédia
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 Foi tudo tão pontual 
Que fiquei maravilhado.
Caiu neve no telhado
E juntou-se o mesmo gado
No curral.

Nem as palhas da pobreza
Faltaram na manjedoura!
Palhas babadas da toira
Que ruminava a grandeza
Do milagre pressentido.
Os bichos e a natureza
No palco já conhecido.

Mas afinal o cenário
Não bastou.
Fiado no calendário
O homem nem perguntou
Se Deus era necessário...  
E Deus não representou.



Miguel Torga (in Diários) poema de Natal que              
ressuma o tom de autenticidade do Homem  e             
da pessoa que ele foi - a sua imagem.                               

O Pai Natal é contrafeito, digo eu.                                               



Paul Gauguin, 



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Que distância vejo de mim a ti,
que distância mediste tu?
Ideal seria se fosse igual. Mas não é. 
A manteiga do relativismo é o que é.
dois pontos: um sobe o outro desce?  
Justo seria se houvesse ponderação, 
equidade, disponibilidade no esforço… 
subir e descer custa. O que custa!
 A quem custa: a mim ou a ti?

Poderíamos convergir para um ponto 
comum. Logo veríamos como fazer 
o balanço do subir e do descer, 
ou vice-versa: subir pode ser descer.
Teoricamente seria fácil, mas, 
sabendo-nos os dois:tu és tu e eu sou eu... 
É tão complicado o simples!

Por exemplo, as peúgas no tapete, 
minhas, e as tuas (meias) dependuradas 
no aquecedor. Tão simplesmente coisas de pés. 
Ou a tampa da sanita levantada por mim
e baixada por ti. A mesma circunstância
comum:  urinar: uma divergência sem fim.
  Um pózinho de orgulho, casmurrice
a natural oposição entre mim e ti,
e gestos que afastam a distância da vontade.

Caminhamos mesmo assim? Por necessidade,
atínhamo-nos à certeza óbvia das marés,
à força, à atracção orbital dos corpos
em equilíbrio relativo, e às ondas...
 Contávamos as ondas uma a uma, 
passo a passo, tu e eu a convergir e,
à sétima, a absolvição da espuma branca,
o regresso à (in)genuidade original,
sem recriminações, sem mácula de natureza,
isto é, a aceitar o caos das coisas todas.

Cada coisa feita perfeita, completa, combinatória
e harmónica como força pulsante, convergente
e divergente, ora coração ora universo, à vez.
E se da terra ao céu não houver distância? 
Há sim uma irrealidade ancestral e presente, 
a da voragem da luz que nos cega.

E se te dissesse que à noite se vê melhor
 o caminho marcado da distância
numa conjugação diferente, não condicional?



hajota


segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Da Terra


Mesmo assim, não fechei os olhos, por medo de que algo se perdesse para sempre. Retive a respiração e fitei a escuridão de olhos bem abertos.


Final de Sobre Ela e as Memórias que lhe pertencem, Micko Kawakami, Granta - Portugal | 9



Francis Bacon_tríptico a Lucien Freud  | fonte: Web



Corpo estendido no pó.
Inteiro, definido no contorno essencial.
A linha contém a sombra. Negra.
Por fora a lua projectada e as estrelas
cintilantes, sem força suficiente, eficiente,
tremelicantes para definir a fronteira:
a sombra e a luz.
Quem se atreve distante 
fenece a réstea vital.

De fora adentra o respirar quente da noite,
penetrante preenche vazios abertos
bafos baques sobressaltos sentimentos
a língua.

E o mundo sentindo-se aquietado
nas suas mais estranhas pulsões adormece,
vivo.


hajota