quinta-feira, 26 de abril de 2018

A floração que me abriu

"E esta noite, conforme tantas vezes desde há quarenta  e três anos, tornei a sonhar com África, não ataques que começavam sempre pela metralhadora a que os soldados chamavam costureirinha a cantar junto à pista, ou seja nos cem metros de terra batida onde o aviãozinho pulava, nem emboscadas nem minas, apenas eu sozinho junto ao arame farpado a pensar em Lisboa, a ver o rio, os barcos, as casas" ...

António Lobo Antunes, Até Que As Pedras Se Tornem Mais Leves Que A Água




nadir afonso




no instinto lera em fogos ateados
por aqui e por ali a paixão
mas não amadurara ainda o tempo
a floração sabida na intuição

vi-me virgem ainda de flor   
na mão liberta da adolescência
que viera de muito longe até mim
que era a subversão e o poder do amor

vieram dias de loucura e medo
de criança verde e botas calçadas
onde me vi paradoxo de homem
articulado de incredulidade

corriam dias de loucura e medo e
no espanto arregalado de meus olhos
chegaram esp’rança e fraternidade
palavras novas prenhes que ouvira

liberdade num povo da canção
que inda ouço mas não vejo a cada Abril


hajota

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Espectro de Modigliani



"Chorava, limpei-lhe as lágrimas. Perguntei-lhe 
absurdamente  o  que  tinha, como  que  para 
idiotamente consolá-la."
     
 Jorge de Sena, Sinais de Fogo, Ed. Asa


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James Whistler_the white note



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                                               Para Graça Pires,
poeta, autora de "Fui quase todas as mulhares de Modigliani"


Por onde anda em descaminho Dedie?
Há um ar de nostalgia a definhar a flor
que lhe rouba o rubor de mulher
desmaiou-lhe a cor - as faces da espera
Procurei-a na celulose da casa  
“Fui quase todas ( …)”

A perturbação plasmada na tela
cresce no olhar escrito nu
no número trinta e três
A melancolia que se atravessa
liquefez-se num “mar sem limite”…

Tão larga tão funda tão vaga
a comoção da pedra que me afunda
da pedra me amarra




           hajota