sábado, 31 de janeiro de 2015

Imaginem-se

Reichstag embrulhado - Christo e Jeanne-Claude - infopédia


Imaginem-se
homens perfeitos
homens já feitos
riscados das opções
para os devidos efeitos
desistindo da esperança
submergidos pela incerteza dum leito…

Imaginem-se
homens eleitos
liofilizados na cegueira dos números
capados atrapalhados sem jeito
e que morrem asfixiados na formalidade
sem nada feito…

hajota

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Porque te fechaste


desenho_M.ª Rita



Porque te fechaste suspensa
em cabides de incerteza
e esqueceste a brasa acesa
nas horas da noite imensa
que sublimámos neste verão?

Quando cerraste as janelas
no medo da memória,
em equívocos de finória
negaste os odores marcados nas velas?

Pois estende-as agora que chove
dos beirais onde te acoitaste,
lança à rua qualquer traste:
o tudo e o nada que te move.


hajota



quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O homem continua bárbaro

Edvard Munch - Vampire - Google ArtProject
O homem continua bárbaro!

A biliosa inveja oblitera-lhe
as circunvalações da mente
constantemente,
como nas marés.
O refluxo dos sentimentos
sente-se no pulsar, apesar
da brasa que o anima.
(E)ternamente.

E a generosidade do belo
esvai-se numa inutilidade
de tempo sem que se derreta
o gelo da imbecilidade.


                                            
                                           hajota

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Ao meio-dia o sol

vicent van gogh - web



Ao meio-dia o sol derretera
a sombra nas encostas da manhã
e, a partir daí, dobrou-se
para o outro lado,
onde nos troncos crescem asperezas,
ao princípio em tons rosados
e, impercetivelmente,
ao ritmo da rotação dos ponteiros
que apontam os prazos,
gretam lágrimas
que afloram das profundezas
à superfície da alma,
logo evaporadas
pelo calor das três da tarde.

Depois, imprevistamente, vem
um vento do lado norte
e os gemidos misturam-se
ao borbulhar das fontes.

De quando em quando o trau
de um galho que se quebra,
desfaz ilusões que se vão em trau-
matismos repentinos,
sem nota prévia na agenda da rotina.

Sem que os ponteiros parem
apontam subitamente:
- está na hora se seres reciclado,
barro para olaria ou cinza para jardim,
consoante vagares marmóreos
ou pressas de lume se moldem
ao gosto do negro.

E foi-se, pelo fundo do vale,
até ao rio onde barco e barqueiro
o esperava no dia um de janeiro.



hajota

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Raspadinhas

imagem na web
Neste nosso tempo a fé tem-se desviado dos locais canónicos e encaminhado, prosaicamente, para os negócios do jogo. O coração continua a levar de vencida a racionalidade, na forma mais primária, roçando a crendice e a superstição, por se saber de antemão que o jogo funciona de forma aleatória mas salvaguardando sempre a sustentabilidade do negócio.

“Portugueses gastam seis vezes mais na raspadinha do que antes da crise” é o título do Público na secção de economia de hoje, 2 de Janeiro de 2015. Esta evidência é bem demonstrativa da natureza humana: à medida que se degradada a situação económica maior é a fé das pessoas no jogo. À necessidade de resultados urgentes, imediatos, que não se compadecem com protelamentos, sorteios, esforço mental ou físico, corresponde uma fé inabalável: o que interessa é ser-se rico depressa, agora. 

 O Governo, que se arvorou em salvador da pátria baseado na cartilha neoliberal, andou nos últimos anos, e continua a andar, a afogar o país. Presentemente a moda é passar flores de mão em mão para que frutifiquem em outubro, querendo fazer crer que tem preocupações de ordem social. Com os chamados programas de ajustamento estimulou tão só a tendência para a indigência material e intelectual da maioria das populações, com especial efeito nas classes mais desfavorecidas. A notícia referida vem confirmar o que era esperado por muitos: a degradação acelerada da pessoa.

A política de destruição da economia, tendo por objetivo o lucro a todo o custo, teve/tem os resultados que sabemos, mormente na falta de trabalho, pilar indispensável de suporte em qualquer sociedade organizada; a ética que mantém a coesão harmoniosa dos indivíduos em sociedade cai por terra e a elevação do espírito humano e de cidadania passa a ser teórica, impossível de realizar.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa teve um aumento das suas receitas. Santa é a solução!!! Imagine-se a perfeição do sistema: o negócio do jogo, das raspadinhas, alimentado pelo povo, subsidia a assistência aos “desvalidos” desse mesmo povo: cria fraternidade, solidariedade e valor – palavra mágica na economia – santificado. E as Finanças abocanham logo um bom naco para o caldeiro da receita. 

O país poderá aspirar à glória de campeão no desporto do raspar.