sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

BOAS FESTAS

NATAL DE ELVAS




Eu hei-de me ir ao presépio
E assentar-me num cantinho
A ver como o Deus Menino
Nasceu lá tão pobrezinho

Ó meu Menino Jesus
Que tendes, porque chorais
Deu-me minha mãe um beijo
Choro por que me dê mais

Eu hei-de me ir ao presépio
E assentar-me num cantinho
A ver como o Deus Menino
Nasceu lá tão pobrezinho

Nossa Senhora faz meia
Com linha feita de luz
O novelo é lua cheia
As meias são p’ra Jesus

Ó meu Menino Jesus
Que tendes, porque chorais
Deu-me minha mãe um beijo
Choro por que me dê mais
https://www.youtube.com/watch?v=5I5hfL4NDy0

(Canto tradicional)

Para todos os meus amigos, seguidores e leitores os meus melhores votos de Natal.
O menino continua e continuará a marcar nas nossas vidas.
Abraço

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O número divino


Ali vimos a veemência do visível
O aparecer total exposto e inteiro
E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar
Era verdadeiro

Navegações - As Ilhas - V, Sophia de Mello Breyner Andresen,
Ed. Caminho






vitruvian man, leonardo da vinci - web


Fídias construiu o belo
Partenon
na imitação da natureza em progressão  
a mãos
as falanges a rimarem
sequências
de rosas rosas rosas rosas
infinitamente fibonacianas
pentagramas
flores pitagorianas
paridas na razão áurea
e Leonardo plasmou a definitiva beleza
vitroviana
- poesia de alfa a ómega


Tudo está escrito desde sempre,
no entanto,
a gente precisa de ir combinando 
legos
vogais consoantes consoante os sons
prementes
a cada momento
ouvir dos relâmpagos
rosas oníricas flores concretas
- ideias

A gente precisa
da graciosa estética envolta nas palavras
arrumadas
em normas universais ou
em ventanias  de genialidade e revolução
- desarrumadas -
e no fim acalmadas
a harmonia
como há milhões de anos
por divina inspiração
- Nós -
a perfeita proporção replicada
em toda a criação -
- o phi, um vírgula seis um oito



hajota

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Silêncios

Atropelamento e fuga


Era preciso mais do que silêncio,
era preciso pelo menos uma grande gritaria,
uma crise de nervos, um incêndio,
portas a bater, correrias.
Mas ficaste calada,
apetecia-te chorar mas antes tinhas que arranjar o cabelo,
perguntaste-me as horas, eram 3 da tarde,
já não me lembro de que dia, talvez de um dia
em que era eu quem morria,
um dia que começara mal, tinha deixado
as chaves na fechadura do lado de dentro da porta,
e agora ali estavas tu, morta (morta como se 
estivesses morta), olhando-me em silêncio estendida no asfalto,
e ninguém perguntava nada e ninguém falava alto!

Manuel António Pina, poesia, saudade da prosa - uma antologia pessoal, Assírio & Alvim


Foto: Gilberto Jorge



Que é feito do som que escorria 
por entre as corolas 
das madrugadas de dezembro?

Sei de saber certo, normativo, 
que me veio como boletim
informativo das sete

naquela manhã cálida e 
esplendorosa de julho
sol nascente cor de sangue

escrito numa folha de papel:
o vento já não lhe mora no peito 
pela noite um lago negro feito

O cisne encarquilhou-se nas penas 
e nem as melíficas madeiras vibraram
um som de sinal nas flautas do pinhal

Adormeceu irremediavelmente
na mais negra noite vestido
quando ainda era tempo de trabalhar

Ele que de olhos cansados das vigílias
dos dias grandes permanecia
diligente na consecução do cristal

Com linhas atava indecisões
nos momentos derradeiros
sem margem para cobardia

A vida tem direitos e avessos
e entre uma face e a outra dá-se-
-lhes um ponto que as abrace - dizia

O sangue vermelho coalhou e 
as carnais conformações 
- pele nervos músculos –

são pó estéril em torvelinho
e os ossos inertes permanecem
em defunção no frio do silêncio

Já não adianta esperar 
a firmeza quente das mãos 
íntegras o pão e as carícias

e nem as melíficas madeiras 
das flautas vibram no pinhal 
o timbre o ritmo qualquer sinal


hajota 


domingo, 22 de novembro de 2015

O ofício dos sentidos


http://ultradownloads.com.br/
O que fazer no cinzento?
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Eu não sei se me salvo ou se me perco
ou se és tu que te perdes e me salvas
só sei que me redimo quando peco
e corpo a corpo ao céu vão nossas almas.

Manuel Alegre, Sete soneto e um quarto, D. Quixote




https://lasindias.com/






Caída a noite trespasso a sombra que me confunde
Com o tatear cego as mãos arengam latitudes
à cata do pressentimento reverbado - os batuques 
de bumbo no mais recôndito âmago do coração
E na aspiração os aromas vindos na brisa que corre
do fundo na planície - o do trigo loiro molhado
 junto ao vermelho quente nas papilas de gustação
- é quando se rompe o breu da noite em luminosas clareiras
Só então os olhos se acalmam na virtude em contemplação
da silhueta negra que surge da mais profunda escuridão.


2015-11-20

hajota

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Abstrações de um ponto e um risco

http://olharemtonsdeflash.blogspot.pt/




Eu a falar dum ponto e dum risco
e tu a deslumbrares-me com beleza
“Vê de Cassiopeia a fermosura”*
a Andrómeda que deitaste
sobre as veias do lenho
delicadamente em botão
tantos pontos e uma linha
para exercício da mais pura
imagética - superlativa a sedução.




* Luís Vaz de Camões, Lusíadas, canto X-88

hajota

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Receita para o poema das Terças

Marc Chagall


Aviso: a receita não é de fácil execução!
Fica-se deitado na cama, em cómoda posição
e é esperar…
Esperar que a alvura do tecto-tela penetre,
profundamente,  plenamente,
o cristalino da mente,
para que se faça luz que baste, e
surjam projectados um ponto e um risco.
É moldá-los de olhos abertos.
Importantíssimo!
o pormenor dos olhos - abertos -,
não vá o fio da inspiração romper-se.


Foi o que me sucedeu, agora mesmo,
fechei-os sem querer
na obscuridade do quarto, e,
quando olho, nada: nem ponto nem risco.
Volto a abrí-los e arrisco,
persisto no desejo de os ter.


Volto ao ponto e ao risco.
Fermento-os e moldo-os como pão, e
a forma e a cor e o calor, o pormenor
do sinal e do pelinho particular
materializam-se
com o talento do amor.
Encantadoramente!


Por fim, com desejo atraio a imagem,
para baixo, e aconchego-a no lençol. 
Qualquer semelhança aparente
ao ponto e ao risco,
por experiência, é real, arrisco.
Eu avisei!



hajota


domingo, 25 de outubro de 2015

Nunca é tarde


http://cargocollective.com/raquelaparicio/JWT




E se eu disser que nunca é tarde
quando sopra o vento da indiferença
marcada a cruz na aridez dos dias
numa  folha de calendário
como faz o condenado ao fadário
- solidão, melancolia desesperança -
que a sorte pode mudar
para o vislumbre da perfeição?

Que me dizes então da felicidade
da partilha do eu e do teu
de reter o belo na mão
a seda fresca de verão
o veludo quente de inverno
do arrepio-tremor
- coisa única que deslumbra?

Que me dizes do fulgor
que remexe interiores
onde se recolhem fogo e cores  
os dourados iluminados de pôr do Sol
brotando à superfície
- num ápice - 
percepção do fim do mundo
a opulência de uma epifania
a dádiva de ser pertença
a eternidade num minuto

quando o mar parecia
em horizontal dormência
nunca é tarde 



hajota

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Sede de desejo


Marc Chagall, les amants sur le toit






Acontece
ao correr da madrugada
mesmo sem troca de nada
um dobrar de campainhas
como quando cruzavas o cancelo

Soltavas o cabelo e vinhas
deitar-te à sombra das glicínias
que desabrochavam num apelo

O sonho repassa qualquer um
entretanto passa e amanhece.


hajota

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

É tempo

na indução da vontade
é hora da verdade
http://relogiodependulo.blogspot.pt/2015/09/o-tempo-e-malho-e-forja.html

fotografia de Gilberto Jorge


Heróico herético poeta lança,
lança o fogo à forja e
a raiva e o sal derramado
no ardor da luta, soldado,
o malho a acordar a esperança
hoje amanhã e na hora
para que a palavra se cumpra
na dimensão inteira do homem

e, apesar de tudo que parece
nada, a palavra permanece
E hei-de ouvi-la sair da noite,
das brumas que ondulam
impacientes o tejo, a canção
heróica herética poética.

hajota

terça-feira, 22 de setembro de 2015

No princípio era o azul



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E abraçam-se de novo, já sem asas. 
Homens apenas. Vivos como brasas, 
A queimar o que resta da inocência. 

Miguel Torga,  
excerto do poema Amor, in 'Libertação' 



http://olharemtonsdeflash.blogspot.com/



No princípio era o azul
sem marcas nem fronteira
tudo fluía sem regra ou maneira
num imenso manto de tule

Reza um escrito muito antigo
quando ainda escrita não havia
que no dia que se fez dia
criou Deus a Eva cor de trigo

E a magia do azul fez-se em dois
sublimando diferente o céu do mar
e fixou Deus a ordem primeira: amar
Só então surgiu Adão, depois



hajota

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Alagados sem asas de voar

Keeping Quiet

E se assim fosse
nem que fosse
por um dia apenas
o fim de todas as penas ?

Perhaps!


 Hajota 

| http://cargocollective.com/raquelaparicio/filter/books/Las-Flores-de-Irina |



Fui descansar os olhos ao rio
do vento que vem de longe
donde os barcos perdem o fio
que os conduz ao norte

Mergulhei os pés na água
e senti um frémito no mar
aflito encarapelado: a mágoa
de mil pássaros a estrebuchar

Olhei no cais o mastro de marear
e das gaivotas que faziam vela
na esperança de chão para amar
nem uma restava vinda nela

Vi apenas o arrepio negro
dos corvos em conciliábulos
com ar pestilento de egro
na vã figura de mandar: ridículos

impantes na sua putrefacção
com armanis sedas e perfumes
simulam actos de compunção
quando lhes chegam queixumes

dos mil pássaros a estrebuchar
alagados sem asas de voar
São servidos à hora de jantar
logo e até quando calhar

Vou descansar os olhos ao rio



hajota



domingo, 30 de agosto de 2015

Caligrafias


Ainda há quem escreva 
faça letras entre linhas?
Em cadernos de duas linhas
se fez a mão em jogos 
medos e adivinhas

 | http://cargocollective.com/raquelaparicio/




















Há-as com a inclinação dos certinhos
de palavras aparadas como sebes
que seguem o traçado da linha
do chão sem acidentes
induzidos na dormência
pela onda do vento que atravessa a planura
É a tendência dos submissos
que mesmo na ocorrência de ondulação
dorsal de todo inesperada
se mantêm na uniformidade
imperturbável da sesta ordenada


Há-as também a invocar artes circenses
dos que atiram facas ao ar
com éles tês dês e até com mudos hagás
Ou as dos que se denunciam com tendências
mortais para assassínios e suicídios fatais:
cravam na linha como se fossem punhais
os pês os bês os dês os guês os jotas os quês
- por gravidade são mais
E há caligrafias marcadas pela contradição
dos que aparecem em extremada posição
de sintomatologia bipolar: os éfes
Oscilam num ai da euforia à depressão 
com humores de difícil compreensão
São estas as que se prestam à vaidade
aos rococós e excessos de exibição


Há ainda a escrita suprema 
a que flutua deitada no espaço 
entre os limites do azul das linhas 
onde correm brisas a despentear fumos e
incensos rítmicos à medida dos momentos
sinais e códigos cuneiformes - os inscritos
há milhares de anos pelos sumérios
nas tabelas sagradas da memória
É nesta que a liturgia imperceptível ao olhar
comum se oferece à decifração
dos iniciados da abstracção material
dos que tentam por tentativas a invenção 
 mergulhos na profundidade dos abismos
e na elevação galáctica nas divinas imperfeições
na fecundação das metáforas uterinas 
que é a carne da poesia



hajota