quinta-feira, 16 de abril de 2020

Entre margens nado


imagem colhida na web





Dum "Mundo do Fim do Mundo"
Luís Sepúlveda 
- RIP








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Foto minha


Na pedreira das encruzilhadas
ainda há almas grandes mas
eu rio rio da força das águas
que me percorrem e afundam

Num limbo suspenso de resgate
entre margens nado e alguém
carrega às costas esforçadas
os blocos de Sísifo
- a fome e a sede do Mundo 
Há contudo um manto de neblina húmida
e fria a embotar-me a clarividência das ideias
Tão difícil é discernir no crivo
a Verdade destes dias de chumbo
de densidade dobrada

Tão pesados são e tão
nítida a volatilidade do tempo

hajota

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Covid-19 (2)



Passa, ave, passa, e ensina-me a passar! 
Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos   



foto minha


Sozinho em casa
conto um dois três quatro… treze
Que dia é hoje?

Os passarinhos a cruzarem o ar
na azáfama primaveril afinam
instrumentos e o melro negro faz
voos rasantes intercalados de gargalhadas escarninhas
não percebendo que denuncia os seixinhos

E eu?
não voo, não canto. Já nem sei
sozinho: um, dois, três, quatro…

Tomo o pequeno almoço e ligo-me
à tv: covid19…
Um melro, dois melros, três melros
Dois de toucado loiro estúpido
o outro alarvemente coberto de boçalidade
Presumidos assassinos babam
nem dos seixinhos tratam.

E eu?
sem asas, sem voz, já nem sei
suportar os asnos um dois três…

Antes do pasmo da alienação
desligo o medo Desligo-me
Parado contido mitigado
mas indignado fico a um canto
Não voo não canto já não conto
Já não conto?!

Vem luz à mente
um brilho ilumina a treva
uma febre súbita premente instintiva animal:
a necessidade de salvar a vida

Os dias?
conto não conto ligo desligo
Não há presente como fazer o …
Recordo o passado e treino
a amnésia de futuro

hajota