domingo, 26 de julho de 2015

Sortilégio


Ai flores, ai flores do Pinhal florido, 
que vedes no mar? 
Ai flores, ai flores do Pinhal florido, 
que grande saudade, que longo gemido 
ondeia nos ramos, suspira no ar!


Afonso Lopes Vieira, estrofe do poema Pinhal do Rei








Inebriado no incrível apelo do sal
percorro as linhas na palma da mão
escorrego nas dunas macio relevo
com enlevo e o som veio pelo ar:
o poema perfeito do verbo (a) mar.


hajota

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fiz ontem favas

"Através  dos  vidros,  as  coisas  fugiam  para  trás. 
As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores 
e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente."

Sophia de Mello Breyner Adersen, contos exemplares, a viagem


imagem obtida na web


Com o dia a prometer mar
fiz favas ontem
Bem temperadas e a adornar
chouriço entrecosto em pedaços
e  ovo escalfado em cima:
gostosas que estavam

Fiz favas e de repente
caiu em mim uma estranheza:
em frente o vazio da cadeira
Tu nem gostas delas
mas entretanto conversavas

Bem sei que te foste
e agora moras na oliveira
a mais rugosa 
como o rosto que o tempo esculpiu
na tua história toda inteira

na mais centenária do quintal
serenamente a dar
desde o dia que a foste encarnar
sem aflições nem taquicardia
a  bruxuleante luz que me guia


hajota

terça-feira, 14 de julho de 2015

Na praia de luz

Para eles o presente era um prazo 
ilimitado de disponibilidade, 
suspensão e escolha. 
Não calculavam o futuro - 
- apenas, vagamente, o esperavam.

Sophia de Melo Breyner Andersen, 
Contos exemplares - A praia



Imagem Pedro Ferreira



Hoje o vento veio desgrenhar
as claras águas da manhã
e o som lascado das vagas
prenuncia delírios de moleirinha
Um oleoso odor eleva-se no ar
do fundo do tempo 
porque há vento
A obesidade sedentária acumulada
na inutilidade dos dias derrete
conspurcando a pureza da natureza

O cúmulo da sonolência
multiplica-se por contágio
de gente que antes de o ser 
já era
no campo de batalha 
pejado de abatises
Não obstante 
apesar de morta
como gaivotas em grupos 
aninhada há gente nova à porta 
uma promessa de azul 
para amanhã
nova vaga virá renovar o areal

Se para uns um tormento 
o vento
a mim dá-me vela cheia 
e percorro a lua
com um campo na ideia 
de rubras papoulas 
É assim que me entrego pleno 
ao abraço de mar 
que me lava e leva 
me eleva e afunda 
em ondas 
duma cabeleira por explicar 
O vermelho aparece
e afinal árvore cresce
faço-lhe um lenho 
com a faca que tenho
e as marés mantém-me à tona
em ondulações 
da seiva jorra luz

hajota