quarta-feira, 22 de julho de 2015

Fiz ontem favas

"Através  dos  vidros,  as  coisas  fugiam  para  trás. 
As casas, as pontes, as serras, as aldeias, as árvores 
e os rios fugiam e pareciam devorados sucessivamente."

Sophia de Mello Breyner Adersen, contos exemplares, a viagem


imagem obtida na web


Com o dia a prometer mar
fiz favas ontem
Bem temperadas e a adornar
chouriço entrecosto em pedaços
e  ovo escalfado em cima:
gostosas que estavam

Fiz favas e de repente
caiu em mim uma estranheza:
em frente o vazio da cadeira
Tu nem gostas delas
mas entretanto conversavas

Bem sei que te foste
e agora moras na oliveira
a mais rugosa 
como o rosto que o tempo esculpiu
na tua história toda inteira

na mais centenária do quintal
serenamente a dar
desde o dia que a foste encarnar
sem aflições nem taquicardia
a  bruxuleante luz que me guia


hajota

10 comentários:

  1. A comida é conforto, é gosto e no sabor lento dos sentidos, damo-nos conta que fazemos poemas surpreendentes às memórias e aos afectos.

    Abç

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  2. ~
    ~~~ Sento-me ao lado do/a ausente...
    ~ Gosto de favas,
    mas não confecionadas dessa maneira...

    ~ Um poema de saudade, muito original. ~
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

    ~~~~~ Dias agradáveis, bem vividos. ~~~~~
    ~ ~ ~ ~ ~ ~

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  3. A saudade que nos abraça... O cheiro, o dia, a paisagem... Tudo acorda em nós memórias...
    Lindo...
    Obrigada pela visita
    Beijos e abraços
    Marta

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  4. Acredito que passamos a fazer parte da natureza, das árvores...

    Gostei muito do poema...

    Beijinhos :)

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  5. E ali, porém, na cadeira aparentemente vazia, sorri, e franze o nariz perante o cheiro a favas.

    Beijos, Agostinho. :)

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  6. Achei lindíssima a metamorfose proposta. Julgo que as árvores é a melhor forma onde encarnar.
    São belas, imponentes e têm a sua própria linguagem.
    Gosto de favas mas nunca comi com ovo escalfado.
    As memórias são continuidade.
    Um abraço. :))

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  7. adoro a maneira como consegue colocar tanta originalidade na sua poesia.
    como o simples confeccionar um petisco de favas(detesto favas) o autor envereda pelo caminho da saudade de alguém que se foi e no entanto está ali, presente na oliveira que "mora" no quintal.
    gostei muito!
    :)

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  8. Tenho saudades de comer favas.

    Quem diria que tal alimento é poético.

    Bravo, Agostinho!

    Beijo

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  9. As favas como pretexto para um poema de ausência e saudade. Um silêncio com destinatário...
    Um beijo, meu amigo.

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