Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Ruy Belo, Boca Bilingue
(estrofe de Morte ao meio-dia)
Havia chão terra
que mudava de cor e cheiro
consoante a estação
Nele se cravavam mãos arado
e a pão o aroma crescia depois
Havia árvore:
ramos folhas e frutos
e ninhos e ovos e pássaros
e garotada em alvoraço dependurada
na descoberta do universo e de si
E havia roupa esgarçada
e ralhos de mãe
A vida tem memória nas coisas
que ficaram daquele tempo ainda
Ainda pela precaridade de tudo
E tudo é homem é terra água ar
do tempo em que havia tempo
como no tempo das férias grandes
agora quase nada
que se faz pó e cinza
Hoje há compram-se
comportas de brincar aos pobrezinhos
resorts a abarrotar excentricidades
ruralidades plastificadas
tudo ao gosto do cliente kitsch
E as serras queimam-se
para requalificar ao jeito de quem vier:
rolas árvores quintais avós...
de preferência importados
Há alguém que se importe?