sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Havia chão terra

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Ruy Belo, Boca Bilingue      
(estrofe de Morte ao meio-dia)




Robert Gonsalves



Havia chão terra
que mudava de cor e cheiro
consoante a estação
Nele se cravavam mãos arado
e a pão o aroma crescia depois

Havia árvore:
ramos folhas e frutos
e ninhos e ovos e pássaros
e garotada em alvoraço dependurada
na descoberta do universo e de si

E havia roupa esgarçada
e ralhos de mãe
A vida tem memória nas coisas
que ficaram daquele tempo ainda
Ainda pela precaridade de tudo

E tudo é homem é terra água ar
do tempo em que havia tempo
como no tempo das férias grandes
agora quase nada
que se faz pó e cinza

Hoje há compram-se
comportas de brincar aos pobrezinhos
resorts a abarrotar excentricidades 
ruralidades plastificadas
tudo ao gosto do cliente kitsch

E as serras queimam-se
para requalificar ao jeito de quem vier:
rolas árvores quintais avós...
de preferência importados
Há alguém que se importe?

hajota