quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Amanhã (2015)

fotografia de Gilberto Jorge

"Amigos:
as palavras mesmo estranhas
se têm música verdadeira
só precisam de quem as toque
ao mesmo ritmo para serem
todas irmãs."


José Craveirinha, Karingana ua Karingana, extrato do poema A fraternidade das palavras 


-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-


O meu voto de esperança


Amanhã 
quem sabe 
a metamorfose se cumpre:
pedras palavras pão
o mesmo é dizer
gelo flor amor.
Tomara que sim!

hajota

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

UM SORRISO NESTE NATAL

foto de Gilberto Jorge

A todos os amigos deste meu modesto espaço de partilha, que me privilegiam com as suas emoções, ou impressões, agradeço todo o bem que graciosamente me dão, e também àqueles que por aqui passam de forma discreta, sem deixarem marca gravada na poeira do caminho.  Para todos - num sorriso - os meus votos de boas festas.

Há tantos natais

de Alberto Caeiro - excerto do Poema do Menino Jesus

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.




de Jorge de Sena, Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?



-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-



Todos os anos, quando o frio se anuncia, os homens olham para o calendário e iniciam a contagem decrescente das semanas, dos dias, até ao dia de Natal. Para que a solidariedade passe de intenção a devoção um frenesim de intensidade variável, mensurável consoante o montante da bolsa de cada um, apodera-se das pessoas. Será possível conceber a celebração de Natal de outro modo? Julgo ser muito difícil contrariar a dinâmica criada na tradição, explorada pelos interesses prosaicos do dinheiro. 

É muito difícil porque a peta do “tempo serve para quê” é impregnada desde muito cedo, quando se é ainda pequeno, para melhor efeito – de pequenino se torce o pepino.  E fica, ficou colada, entranhada no íntimo do ser, em nós, como se fosse cola que não descola. Para manter o pessoal na forma, digo, para manter o pessoal a dormir na forma (?).

Primeira lição recebida: o tempo é dinheiro, usa o tempo para ganhar dinheiro. Neste ponto, o dinheiro são coisas bonitas, gostosas que se trocam por tostões.Segunda lição: há tempo para tudo se for bem aproveitado. Só os preguiçosos não alcançam a felicidade suficiente. 
Depois, vem o rigor instrumental. Relógios e mais relógios. Horários e prazos. Calendários, cronogramas: consequentemente, tendencialmente, à medida que se vai avançando, o tempo decresce para o eu e aumenta desenfreadamente para o outro. 

Durante algum tempo, digamos que até à puberdade, acredita-se em tudo, até no Pai Natal. Já no que diz respeito à falsidade da história do tempo e do dinheiro a descoberta é feita muito mais tarde.  Vive-se a ilusão da festa durante muito tempo. Demasiado.


Quando as coisas correm mal e vem a escassez de tudo, por falta de tempo, de calor, de comida, de roupa, de trabalho, de amor, é que é o pior. Vem ainda uma última ilusão, de um possível milagre, de um euromilhões, de comprar o que não se tem, um sorriso, uma atenção... Mas como comprar quando não se tem dinheiro? Daí ao estágio no banco é um fósforo. Vem então, para pacificação de espíritos escrupulosos, a glória e a redenção da ceia de Natal,   a ficar cada vez mais escassa, cada vez mais fria. E chega um dia em que não apetece.


hajota

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Pausas

couple walking in the trees -vicent van gogh 
Uma nostalgia uma saudade
vem à tona revolta do mar
nos dias de outono advento
o inverno quase a chegar
as lâminas afiadas o vento

O coração em arritmias
aperta-se na incerteza
na dúvida  que sente
abrem-se brechas na fortaleza
O que vale é o quente

da fornalha da memória
espere-se portanto pela maré

Não é dogma não é fé
a primavera virá
num botão de rosa tingida
de fragâncias e paixão
para uns de verdade
para outros fingida

a nostalgia a saudade…


                                      hajota




Can we start it all over again this morning?
I lost all my defenses this morning
Won't you show me the way it used to be?

morning, Beck

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Cantinas sociais - A oportunidade da caridade

Em outubro de 2012 lancei a boca abaixo proclamada, a propósito das enternecedoras preocupações governamentais para com os "pobrezinhos" portugueses. 
Pobres somos todos nós que andamos a sustentar os pançudos do retângulo e áreas adjacentes, on e off-shore. 
Não precisamos de dó, exigimos é justiça! 
Dois anos após aquela data, estamos em dezembro de 2014, o álvaro está a empanturrar-se com pastéis de nata numa cadeira honorífica e o gaspar a inventar algoritmos para o orçamento perfeito. Ficou o da mota que não desistiu da ideia da sopa dos pobres. 
A insuspeita Manuela Ferreira Leite furou os pneus do mota mas esta gente não desiste enquanto não institucionalizar o estado da caridade.






- Ó Álvaro? Vê lá como eu sou eficiente, os troicanos até vão bater palmas. Sou um contribuinte decisivo para o deficit, perdão, para o superavit.
Corto 10 moedinhas em todos os subsídios de desemprego, rendimento social de inserção, complemento solidário para idosos e em todos abonos e subsídios. Vou poupar uma pipa de massa à Nação.

- À Nação não, ao Estado queres tu dizer.

- Vem vistas as coisas nem uma coisa nem outra… o cabedal vai todo direitinho para a chancelarina Merkel...

- E fizeste algum estudo... contas, sobre o alcance da medida?

- Não pá, nem é preciso. Como é para cortar tem aprovação garantida do Gaspar e, se ele aprova, o Pedro também. E o avô assina tudo o que lhe põem à frente, nem chega a pôr os óculos. A concertação social já foi informada e chega.  É só mandar para a Imprensa Nacional. O Gaspar também não fez contas nenhumas para a TSU.
Olha, outra coisa, onde se podia obter uma grande receita, era cobrar 1 euro diário a quem tem pópó, para o custeio das cantinas de misericórdia: dava para duas sopas. Era uma maneira promover a solidariedade entre as pessoas. A mim não me afetava porque, além de ser mota,  ando sempre de mota.

O Álvaro que é um alho, de raciocínio supersónico, ripostou:
- Alto lá, isso é da minha jurisdição, nem pensar numa coisa dessas. Ter à perna aquele gajo do ACP, gasolineiras e outros empatas! Íamos ter em cima a TSU!

- A TSU! O que é isso?

- Ó Mota, andas sempre de capacete e não ouves metade da missa. Comunistas, esquerdistas, CGTP, UGT, plataformas, artistas e etc : Todos os Sacanas Unidos. Agora, isto só prá gente, eu nem sei se estamos a ser escutados, foi o Gaspar que nos arranjou esta trapalhada toda. É ele quem manda, pá, nada a fazer. É como o aleijado da Alemanha, sempre sentado na cadeira, mas é ele quem  manda a dos casaquinhos cor-de-rosa falar.

O da mota acusou o toque da insinuação de não saber da missa. Não se conteve:
- Ó Álvaro, vê lá tu, andam para aí a dizer que eu e tu vamos de vela na remodelação do governo!? O melhor é mostrar serviço antes que aconteça isso e garantir um lugar no BCE onde está já o outro, ou no FMI e afins.

- A noite passada estive a pensar, pensar… Tenho um plano! e tu és indispensável. Com uma cajadada matamos dois coelhos, salvo seja. Às tantas o Relvas tem aqui escutas, temos que medir bem as palavras para não sermos mal interpretados.

- Então?

- O Gaspar não consegue, de forma alguma, fazer a lipo-aspiração por dentro. O melhor é ir pelo seguro pois há muita boa gente a viver da vaca. Como não se pode acabar com a dita, sem morder nas canelas aos fiéis, temos de cortar aos mesmos de sempre.  Assim preservamos as elites que garantirão o êxito do  Portugal do futuro, que exclui aquela gentinha  TSU.

- Porra, desembucha, perdão não queria…

- Então é assim, mota. Não disseste tu que ias cortar nos subsídios? Acho muito bem e tens o meu voto favorável no Conselho. Mas isso é pensar pequeno. Tem de ser uma coisa em grande, de merecer uma estátua, tipo Marquês de Pombal. Vamos criar uma nova indústria no país e salvar a restauração e atividades correlativas. Além disso, vai ser o verdadeiro simplex, muito mais abrangente do que o socrático.
O mês tem trinta dias não é verdade? Se cada elemento da gentinha beber 2 bicas por dia são 60 bicas por mês, vezes 50 cêntimos dá 30.00 euros. Para não sermos unhas de fome vamos dar–lhes mais 20.00 euros para comprarem uns tremoços ao domingo e beberem uma imperial. TSU passam a ter direito, no novo esquema de financiamento, a 50.00 euros mensais.

- Não estou a perceber… mas assim …

- Tem calma, está tudo pensado: uma NOVA INDUSTRIA! Toma nota: Cantinas Comunitárias para os TSU, de Valença até às Flores, onde houver a tal gentinha cria-se uma cantina para irem almoçar e jantar. O pequeno almoço é dispensado porque quem não tem ocupação pode ficar muito bem na cama até ao meio dia. Vamos salvar a economia! Vão ser milhares de estabelecimentos, digamos que 100 000 empregos - sobretudo para voluntários que ficam mais baratos e ganham o céu. A concessão de alvarás para esta oportunidade poderá ser por concurso, estabelecendo-se uma quota para as misericódias. Assim, têm garantida a sua prestimosa atividade caritativa. E se as grandes cadeias, tipo Sharaton, Meridien, quiserem concorrer, tudo bem, até para calar as más línguas que dizem não haver concorrência em Portugal.
Quem é que vai pagar às Cantinas Comunitárias? Tu, quero dizer, o ministério. Com controlo podes atrasar os pagamentos e o Gaspar fica contente com um recurso para quando a execução orçamental estiver no vermelho. Como vês, são só vantagens.
Ah, estava a esquecer-me dos 50.00 euros. Não se entrega dinheiro aos malandros. Cria-se um sistema de tickets pré-datados que serão válidos nos estabelecimentos aderentes, tipo café de bairro, leitaria, tasca e outros pelintras que andam para aí a tinir. Quem paga? O mesmo esquema das Cantinas.

- Estou impressionado, que imaginação! Tu não andas com pó?

- Por alguma razão andei nas américas onde génio, inovação e iniciativa privada são premiados. Espero, dentro em breve, sair desta piolheira e ser recompensado pelos serviços prestados a bem da nação. Estou mesmo contente comigo!

- Anh? Não percebo…


hajota

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Arrumador de estrelas



Alinhar estrelas é 
como quem repara 
relógios de corda
dando-lhes corda 
que as faça brilhar.
Um risco no céu é
o trajeto mais fixe
que hão de tomar.


                 hajota

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Gosto de pares

Lovers with Daisiers - Marc Chagal
Diz-me lá que não gostas
das coisas aos pares
de braços e abraços
num afago de corações
peito contra peito

Gosto de pares
de olhos em olhares
crepusculares de ternura
negros de profundura

Gosto de pares
de ouvidos berço 
de sussurros de melro
da brisa do alvorecer
ao aloirar da manhã

Gosto de pares
de lábios colados a ferver
romã e café em segredo até
levantar-se a neblina da asfixia

Gosto de pares
de pernas para tatear encostas
onde lavra um fogo lento
e ao chegar ao cume sem alento
acoitar-me no ninho  

hajota




Prova de vida       
Voltei para ver se gente
culta e esmerada,
depois de zeros e uns
que se saldaram em 
zero quase absoluto,  
continua a dar vida 
à minha fada.
A minha pessoa
agradecida.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Cânone sustenido dum sol

Por mais que volte,
sustenido dum sol,
o anel de fogo é
como foi ontem.

Nele me imolo, hoje,
em labareda ardente,
e desaguo, enfim, no mar
entre frémitos de vulcão.

Amanhã, ao acordar,
voltando à coda
em harpejos sussurrados,
o anel reacende-se.

E eu sustenido dum sol
a brilhar
volto como hoje.
Sempre.

hajota



foto de Gilberto Jorge

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Tempos de verde

foto: Gilberto Jorge






Tempos de verde no meu corpo, sim,
nas noites pintadas a negro das botas
para que o medo na voz não se visse
e o dia imprevistamente não se tingisse
de rubras papoilas definitivas do fim.
Cantava. Cantava a embrulhar as horas:
“a morte saiu à rua num dia assim".




hajota

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Grifo Planante - uma migalha me basta



Esta fotografia tem

o seu quê de fantástico

e um sentimento outonal

no título que me comove.

O que me vale é o sol brilhar

enquanto não chove.

A mágoa há de curar-se de mar.



hajota


sábado, 25 de outubro de 2014

Regresso à raíz do ser

Embrenhemo-nos no pinhal,
pés no fofo atapetado
de feno molhado.
Abramos as narinas ao vento
à aragem que vem do mar
de olhos franzidos a chorar.

Desafiemos o medo e a perdição
por entre sombras e ais,
os troncos e copas
em danças ancestrais,
e contorcionismos
e gemidos roucos,
os lobisomens, nós loucos,
desgrenhados de tanto gritar.

Há coisas enormes
simplesmente simples,
escritas e ditas na nossa voz,
conformadas à medida do nós:
o regresso à raíz do ser,
ao caldo da placenta natural
receber a energia telúrica
nascida da certeza da incerteza
do desencontro do encontro
do engano do acerto.

hajota



http://larajacinto.com/

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Desejos





                              Blue Lovers - Marc Chagall




Escorrem-lhe no redondo dos ombros
talhadados de alvo mármore acetinado
os fios de ouro de helénica diva,
licenciosa graciosidade altiva.

Fecho os olhos e adivinho-lhe as mãos.
Harpejos fulgurantes luminosos
de cordas, minha viola a acordar,
longos dedos perfeitos a tocar.


hajota

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Crónica do Estado da Nação escrita no gelo

O 13 de Maio passou sem que nada acontecesse de transcendente. As nuvens presentes nos céus de Portugal ao longo de todo o ano, contrariando as espectativas bestiais, propaladas pelo Governo, da recuperação económica e financeira, que precederam a saída da Troika, encenada com relógio e foguetório para melhor iludir a populaça, prometiam que algo de medonho iria acontecer. E aconteceu. Foi anunciada há dois meses a mãe de todas as catástrofes.  BPN e BPP foram coisas caseiras, mas, a catástrofe pombalina, prevista e registada nas agendas secretas do poder e ocultada para safa dos tubarões, abalou pela raíz os alicerces da economia portuguesa.

O BES foi-se e a PT idem. Escusam de estar a complicar as coisas porque a essência do ser, pela genética, é a mesma: a PT é o BES ou o BES é a PT, tanto faz. A PT foi, como se diz agora, o veículo para sacar massa aos portugueses durante anos que financiou os lindos negócios de que se sabe pouco mas que irão conhecer-se aos poucos no futuro; as contas irão aparecendo.

Esperou o Governo por milagre no 13 de Outubro, com alguma fé. Como todos viram,  só  houve  o da chuva. Não podendo adiar por mais tempo o senhor PM acabou por anunciar o seu milagre: o Orçamento de Estado para 2015, mais do mesmo com ligeiros fumos de ilusão para não espantar o indígena: CES, IRS, recuperação de 20% para os sangrados da função pública acima dos €1500 e o crédito fiscal para 2016. Este crédito será tão improvável como acertar no euromilhões, matemática que a minha avó dizia ser a mesma que contar com o ovo no sim senhor da galinha. Antes desta bênção já tinham sido dadas umas canadianas ao ordenado mínimo nacional, entrevado há anos com estudos e mais estudos, para apurar a bondade do aumento de uma bica aos escravos do costume. A grande invenção, digo, inovação do ministro Moreira é o verde. Surpreendentemente. Então ele não é do Porto? Para a elite que não criava nem aumentava impostos não está nada mal.

Como o deficit deste ano vai ser muito difícil de calcular, só para facilitar, não vá acontecer o algoritmo da M.ª Luís estar contaminado com o ébola do ministro matemático ou com a gripe citius, a venda da TAP, em banho-maria desde que o senhor Relvas se foi embora, passou a prioridade. Anunciou o ministro Lima: até ao fim do ano corrente. E ao desbarato, digo eu, tipo, quem dá menos. A gente quer é o dinheirinho até às 23h59m59s de 31 de Dezembro de 2014. Todos os anos se repete a saga. Nem deixam o terminal do computador arrefecer para a passagem de ano.

E em 2015, se não acontecer o tal milagre de 13 de Maio, a CGD marcha. Então não é que a senhora ministra (como de resto o senhor primeiro-ministro) - que não tinha nada a ver com o BES, que era assunto do Banco de Portugal, que a solução de resgate dispensava a sobrecarga dos contribuintes - se descai a dizer que se a CGD fosse privada não haveria saque aos contribuintes… Perceberam? Vende-se a Caixa, sim senhores. Aos chineses que têm lá muito dólar. Livre de encargos!  Mas primeiro rebenta-se com ela com o passivo do BES proporcionando assim um desconto ao comprador, para garantir a venda, sejamos previdentes,  no último dia de 2015. O passivo fica para o tuga que já está habituadoa estas premências. Como marchou o BPN?

A bota do BES vai ser difícil de desatar por isso vão entreter a coisa. Os escritórios de advogados vão ter aí um prado inesgotável. As facilidades que os génios anunciaram no início da borrasca com a divisão do problema em dois, banco novo (o bom) e banco Bes (o mau), estão já à vista. Os dois irão irmanar-se fraternalmente num só mal, quebra-cabeças que durará anos. As faturas, depois da peleja jurídica, irão parar às Finanças. 

Depois disto tudo, como a dívida irá continuar a aumentar - os portugueses são preguiçosos, como anunciou ao mundo a senhora chancelarina berlinense, e uns estraga-albardas a viver acima das suas possibilidades, disse o PM, sem emenda - será lançada uma OPA de toda a faixa litoral do retângulo pelos fundos credores .  Os descendentes dos lusitanos que restarem e não se submeterem aos ditames do Diretório Administrativo, gozarão de liberdade nos territórios de origem: os montes Hermínios.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Outono

Começa na passagem do equinócio 
o advento da apoptose celular:
josé malhoa_outono
as folhas agonizam  na paleta
em amarelos vermelhos e roxos.
A natureza despe-se de excessos
ao ritmo dum requiem a cada dia.

A passagem das aragens agrestes
p’las veredas ocasionais das tardes,
o trigo, sol sal, na praia dourado,
nos poros encrespados arrepia.
A sensibilidade está na pele 
em contrações reflexivas do tempo.

Lá dentro, no cerne da construção,
enxuta a carpintaria do estio
solta gemidos na adaptação
do cordoame, encolhendo a junção
das esquinas, onde o frio apressa
despedidas dúbias de amor. Suspensas.


hajota

sábado, 4 de outubro de 2014

O orvalho da manhã


Se o dia se estica até às dez
estendido pelo rolo imperioso da massa,
no que resta, uma réstia, até à meia-noite,
cabe à justa a mentira
que há na partícula salvífica
uma fatia de piza 
para a celebração da madrugada.

Na evidência do descartar das horas
o brilho vem do céu, cada vez mais claro,
cada vez mais seco.
Da emergência do quarto das pedras
sobra a inutilidade da roupa suada,
não sobrando nada
para o orvalho matinal.

Tem dias em que não existe noite.
A brancura da claridade de mercúrio
impede que a condensação se faça.
A função do higrómetro aquieta-se
perto do zero absoluto.

Depois da salvífica comunhão das dez,
branca, a noite volatiza-se branca.
Sem o orvalho da manhã
que olhos hão de enfrentar o real?




hajota



Alves Rosa, Escritos Tortos