sábado, 4 de outubro de 2014

O orvalho da manhã


Se o dia se estica até às dez
estendido pelo rolo imperioso da massa,
no que resta, uma réstia, até à meia-noite,
cabe à justa a mentira
que há na partícula salvífica
uma fatia de piza 
para a celebração da madrugada.

Na evidência do descartar das horas
o brilho vem do céu, cada vez mais claro,
cada vez mais seco.
Da emergência do quarto das pedras
sobra a inutilidade da roupa suada,
não sobrando nada
para o orvalho matinal.

Tem dias em que não existe noite.
A brancura da claridade de mercúrio
impede que a condensação se faça.
A função do higrómetro aquieta-se
perto do zero absoluto.

Depois da salvífica comunhão das dez,
branca, a noite volatiza-se branca.
Sem o orvalho da manhã
que olhos hão de enfrentar o real?




hajota



Alves Rosa, Escritos Tortos

10 comentários:

  1. Serões e madrugadas serão formas de esticar os dias.
    Não poderemos jamais esticar a nossa capacidade de querer o infinito do tempo que se desdobra em orvalhos frescos nas manhãs azuis.
    Gostei de acordar aqui e sonhar com este poema.

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  2. Ficam as memórias... e os dias nunca morrem...
    Lindo...
    Beijos e abraços
    Marta

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  3. "Sem o orvalho da manhã
    que olhos hão de enfrentar o real?"
    Gostei desta questão que coloca no fim do poema. Fica-se a reflectir sobre aquilo que fazemos com o tempo que temos...
    Um beijo, amigo.

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  4. Era assim ("o orvalho da manhã") que começava uma das canções que cantava o coral da Igreja que eu frequentava quando era garoto, Agostinho.
    Lembrei esses momentos agora com este título.
    Aquele abraço e votos de boa semana

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  5. Por vezes há um vazio no orvalho da manhã.

    Gostei de sobremaneira.

    Beijo

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  6. Agostinho,
    Que beleza esta forma de narrar o encontro com o orvalho da manhã.

    Que pena o seu comentário não ter ficado gravado. :(

    Boa semana!:))

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  7. Manhã. Orvalho. Aurora. Amanhecer. Brisa. Frescura. Pureza. Começo. Gestação. Partida...
    O ruído, a fatia de piza, a indigestão, a embriaguez, a inutilidade da roupa suada...

    "O brilho vem do céu, cada vez mais claro, cada vez mais seco..."

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  8. Todas as manhãs o orvalho estará sobre a relva
    macia , e o sol logo chegara para apagar seu frescor.
    Uma semana abençoada amigo.
    Evanir.

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  9. por vezes no orvalho da manhã, podemos ver o sol (imaginando)
    e tudo volta a ser possível...
    :)

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