quinta-feira, 31 de julho de 2014

Até aos santos acontece

- Foi anunciado um prejuízo bancário record em Portugal …

- Bês, os santos administradores bancários não sabem fazer contas?

- Vá lá, vá lá, imagina tu o que seria se essa gente não tivesse aprendido a tabuada na escola?! Podia ser ainda mais record, tipo Guiness...

- É muito provável que se tenham esquecido dos que vão de trás. No meu tempo dava réguada pela certa!

Peregrino

Chagall - lovers-flight


O bordão empresta-lhe alento
a coragem de andarilho. 
Na incerteza que há no dobrar de cada curva,  
apesar de lâminas de xisto
que lhe dilaceram a flor,
tem na vereda a esperança:
o milagre da transfiguração das bolhas:
a luz quente de um abraço
no refúgio à beira da estrada.



hajota






segunda-feira, 28 de julho de 2014

2.º mulato - Cajó

imagem da web

Cajó jovem talento
é  mistério da criação
milagre escondido em gene
pelo mar levado ao vento.
Nasceu misto e  muito man
para feminino deleite
cabelo claro ‘molas d’ isqueiro”
olho verde pele café com leite.

Se há ninfa à vista
o mulato gingão balança
num passo bem puxado
na rua como na pista
num sorriso vai à conquista.
O malandro lança olhar estudado
acerta e logo tem
prá noite de sábado
a dama que lhe convém.

Quando chega ao salão
olhos a brilhar
peito cheio de ar
atira com força de campeão:
bota Minguito
merengue escorrega só.
Grita o homem do som
- segura o rítimo, Cajó!
disco no prato, sobe o tom.

Em contorções diabólicas
ouve-se na sala um ah
arrasa todo o mundo
que afoga a inveja
num mar de cerveja.
Quando por fim enlaça
a moça
linda linda de morrer
suspensa de emoção
esperando em volúpia
o último passo que o define:
o beijo à James Dean.

hajota


quinta-feira, 24 de julho de 2014

Na terra que mana leite e mel

Marc Chagall - o sacrifício de Isaac - web

Cristo redimiu os pecados dos homens pregado na cruz:
o avaro povo escolhido de há dois mil anos não quis!

Na ara das areias da Terra Santa sangraram páscoas
de cordeiros em macabras orgias de loucura  
e ainda hoje como nos primórdios da jornada
persiste a obtusa crueldade da cegueira bruta de Abraão.
Que Santa Terra é esta onde sobram corações de pedra dura
pulsando metralha  bombas destruição?

O avaro povo ainda hoje diz não. O farisaísmo ostensivo dos eleitos
mostra orgulho na guerra que faz: julga e crucifica quem quer a paz.

Na “terra que mana leite e mel” o discernimento oco da areia destila fel
vingança ódio morte alaga de sangue a Terra
comprando a maldição da Guerra Santa. 

hajota



sábado, 19 de julho de 2014

Fogo de Santo António

Vicent van Gogh_campo de trigo com corvos - Wiki 


Ainda ontem enchia espaços circulares
em deambulatório constante traçando
fronteiras de projetos à volta. Adiando
destinos incertos que pairavam nos ares,
com persistência lavrava  intenções,
desafiava a sorte com sussurros e canções
de subir à lua buscar marmelos.
No excesso gualdripava ambições.

O centeio loiro a ondular no monte
turvou-lhe o caminho no verão da subida
e sem que se visse volatizou-se-lhe o ego
em divagações anacrónicas de vida
escapou-se sem controlo para um recesso
inexplicado, sem regresso.
Tem o prazo expirado.
Nas ruas da cidade, montras de ressesso,
anteciparam determinações com espanto
do ergotismo diagnosticado
com o prazo acabado.

hajota

Projecto Troika, em construção

Exposição no Edifício AXA - Porto

http://www.youtube.com/watch?v=WnL0xk7puPE&feature=share


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Mandela

Um leão rugiu de magnanimidade
de juba encanecida ao vento, subiu
sublime c'um sorriso de bondade
soltou-se da vida simples, partiu.

Na estepe a chuva verde de verdade
correu mil olhos da dor que sentiu
todo um povo, o canto de saudade
solta-se do peito de quem o viu.

"Toda a gente morre"  disse Madiba
na certeza do caminho futuro
o farol que leva a porto seguro
é luz da justiça - tenham-na viva!


05dez2013 (dia da partida)
hajota



quarta-feira, 16 de julho de 2014

"Que farei quando tudo arde?" *


O Algarve vai ardendo, a Madeira um braseiro, 
Lisboa há muito tempo queimada,
guarda o incendiário primeiro,
os tugas estão lixados!
Depois do canto das cigarras 
resta o tempo dos abutres
para o saque final.
Onde está a pátria amada
por Camões proclamada?


Saramago profetizou a deriva da Ibéria,
realidade evidente numa jangada de pedra,
tanto mar de incertezas!
Que viu Blimunda no devir?
D. Pedro dar passos
em miragens de sedução.
Que rei este que vê solução
em Alcácer-Quibir
em terras alheias 
a salvação das areias!?


Quem verá o dia da restauração?
jul2012
hajota



* título de soneto de Sá de Miranda (1481 - 1558)


imagem Wiki

domingo, 13 de julho de 2014

Fados


O Brasil desgraçado pela bola

e nós, órfãos da saudade,

com espíritos malignos sem tola,

à espera doutro santo salgado?



hajota




Brisa do Lis


imagem da web



Em bico de pés subiste
para receberes uma brisa
doce que tinha para ti
fiquei sem fôlego
quando te li.



hajota

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O caçador

Dali - Sonho causado pelo vôo de uma abelha ao redor
 de uma romã, um segundo antes de despertar
, 1944




Destemido procura a sua sorte
no pleno verde horizonte da corte.
Ao ver a gazela correndo, sua,
delicado tateia-lhe os contornos
traçados em linhas leves de seda
até que encontra a confluência
onde os sonhos mais apetecidos
ressaltam do tufo em evidência.

Fica à espera que o tempo precipite
o fado da natureza submissa,
se ofereça à vertigem sacrificial:
desembainhado brilhante o punhal,
na hora afiado, dá o estoque final.


hajota

sexta-feira, 4 de julho de 2014

O azul das pintas

monet.wl-green



A mãe,
escrupulosamente advertiu:
- sabes lá quem vestiu?
Tu:
- ficam puras do azul sabão,
há lá coisa mais pura do que a cor do céu!
Mas que importava se os pés
imaculados nem tocavam o chão?

Eu,
a ver-te sair de casa,
rabo de cavalo apanhado na nuca
blusa branca às pintinhas,
pintinhas azuis, não rosa,
calças de ganga, azuis também,
da loja do senhor Joaquim,
do fardo virgem aberto por mim.
- Leva estas que têm mais pinta!
e tu que tinhas tanta,
não as azuis da blusa,
com que perfumavas os dias
na cor que vestias.

A levitares na rua, sandálias azuis,
dois livros e um caderno na mão
a caminho do liceu
e no passeio pasmado, eu,
suado da bola
jogada no furo da escola
no campo do Ferrovia,
a deixar para outro dia
as pétalas do malmequer,
nem a conversa de música sequer
que sabia tu querias.

Sem partir a linha que eu ouvia
- não devemos precipitar-nos nas inclinações!
a mania de guardar para outro dia,
a desfazer a perfeita harmonia
do teu andar na urgência do futebol, no suor,
sem ver o tempo a levar o azul das pintas.


hajota