quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Grifo Planante - uma migalha me basta



Esta fotografia tem

o seu quê de fantástico

e um sentimento outonal

no título que me comove.

O que me vale é o sol brilhar

enquanto não chove.

A mágoa há de curar-se de mar.



hajota


sábado, 25 de outubro de 2014

Regresso à raíz do ser

Embrenhemo-nos no pinhal,
pés no fofo atapetado
de feno molhado.
Abramos as narinas ao vento
à aragem que vem do mar
de olhos franzidos a chorar.

Desafiemos o medo e a perdição
por entre sombras e ais,
os troncos e copas
em danças ancestrais,
e contorcionismos
e gemidos roucos,
os lobisomens, nós loucos,
desgrenhados de tanto gritar.

Há coisas enormes
simplesmente simples,
escritas e ditas na nossa voz,
conformadas à medida do nós:
o regresso à raíz do ser,
ao caldo da placenta natural
receber a energia telúrica
nascida da certeza da incerteza
do desencontro do encontro
do engano do acerto.

hajota



http://larajacinto.com/

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Desejos





                              Blue Lovers - Marc Chagall




Escorrem-lhe no redondo dos ombros
talhadados de alvo mármore acetinado
os fios de ouro de helénica diva,
licenciosa graciosidade altiva.

Fecho os olhos e adivinho-lhe as mãos.
Harpejos fulgurantes luminosos
de cordas, minha viola a acordar,
longos dedos perfeitos a tocar.


hajota

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Crónica do Estado da Nação escrita no gelo

O 13 de Maio passou sem que nada acontecesse de transcendente. As nuvens presentes nos céus de Portugal ao longo de todo o ano, contrariando as espectativas bestiais, propaladas pelo Governo, da recuperação económica e financeira, que precederam a saída da Troika, encenada com relógio e foguetório para melhor iludir a populaça, prometiam que algo de medonho iria acontecer. E aconteceu. Foi anunciada há dois meses a mãe de todas as catástrofes.  BPN e BPP foram coisas caseiras, mas, a catástrofe pombalina, prevista e registada nas agendas secretas do poder e ocultada para safa dos tubarões, abalou pela raíz os alicerces da economia portuguesa.

O BES foi-se e a PT idem. Escusam de estar a complicar as coisas porque a essência do ser, pela genética, é a mesma: a PT é o BES ou o BES é a PT, tanto faz. A PT foi, como se diz agora, o veículo para sacar massa aos portugueses durante anos que financiou os lindos negócios de que se sabe pouco mas que irão conhecer-se aos poucos no futuro; as contas irão aparecendo.

Esperou o Governo por milagre no 13 de Outubro, com alguma fé. Como todos viram,  só  houve  o da chuva. Não podendo adiar por mais tempo o senhor PM acabou por anunciar o seu milagre: o Orçamento de Estado para 2015, mais do mesmo com ligeiros fumos de ilusão para não espantar o indígena: CES, IRS, recuperação de 20% para os sangrados da função pública acima dos €1500 e o crédito fiscal para 2016. Este crédito será tão improvável como acertar no euromilhões, matemática que a minha avó dizia ser a mesma que contar com o ovo no sim senhor da galinha. Antes desta bênção já tinham sido dadas umas canadianas ao ordenado mínimo nacional, entrevado há anos com estudos e mais estudos, para apurar a bondade do aumento de uma bica aos escravos do costume. A grande invenção, digo, inovação do ministro Moreira é o verde. Surpreendentemente. Então ele não é do Porto? Para a elite que não criava nem aumentava impostos não está nada mal.

Como o deficit deste ano vai ser muito difícil de calcular, só para facilitar, não vá acontecer o algoritmo da M.ª Luís estar contaminado com o ébola do ministro matemático ou com a gripe citius, a venda da TAP, em banho-maria desde que o senhor Relvas se foi embora, passou a prioridade. Anunciou o ministro Lima: até ao fim do ano corrente. E ao desbarato, digo eu, tipo, quem dá menos. A gente quer é o dinheirinho até às 23h59m59s de 31 de Dezembro de 2014. Todos os anos se repete a saga. Nem deixam o terminal do computador arrefecer para a passagem de ano.

E em 2015, se não acontecer o tal milagre de 13 de Maio, a CGD marcha. Então não é que a senhora ministra (como de resto o senhor primeiro-ministro) - que não tinha nada a ver com o BES, que era assunto do Banco de Portugal, que a solução de resgate dispensava a sobrecarga dos contribuintes - se descai a dizer que se a CGD fosse privada não haveria saque aos contribuintes… Perceberam? Vende-se a Caixa, sim senhores. Aos chineses que têm lá muito dólar. Livre de encargos!  Mas primeiro rebenta-se com ela com o passivo do BES proporcionando assim um desconto ao comprador, para garantir a venda, sejamos previdentes,  no último dia de 2015. O passivo fica para o tuga que já está habituadoa estas premências. Como marchou o BPN?

A bota do BES vai ser difícil de desatar por isso vão entreter a coisa. Os escritórios de advogados vão ter aí um prado inesgotável. As facilidades que os génios anunciaram no início da borrasca com a divisão do problema em dois, banco novo (o bom) e banco Bes (o mau), estão já à vista. Os dois irão irmanar-se fraternalmente num só mal, quebra-cabeças que durará anos. As faturas, depois da peleja jurídica, irão parar às Finanças. 

Depois disto tudo, como a dívida irá continuar a aumentar - os portugueses são preguiçosos, como anunciou ao mundo a senhora chancelarina berlinense, e uns estraga-albardas a viver acima das suas possibilidades, disse o PM, sem emenda - será lançada uma OPA de toda a faixa litoral do retângulo pelos fundos credores .  Os descendentes dos lusitanos que restarem e não se submeterem aos ditames do Diretório Administrativo, gozarão de liberdade nos territórios de origem: os montes Hermínios.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Outono

Começa na passagem do equinócio 
o advento da apoptose celular:
josé malhoa_outono
as folhas agonizam  na paleta
em amarelos vermelhos e roxos.
A natureza despe-se de excessos
ao ritmo dum requiem a cada dia.

A passagem das aragens agrestes
p’las veredas ocasionais das tardes,
o trigo, sol sal, na praia dourado,
nos poros encrespados arrepia.
A sensibilidade está na pele 
em contrações reflexivas do tempo.

Lá dentro, no cerne da construção,
enxuta a carpintaria do estio
solta gemidos na adaptação
do cordoame, encolhendo a junção
das esquinas, onde o frio apressa
despedidas dúbias de amor. Suspensas.


hajota

sábado, 4 de outubro de 2014

O orvalho da manhã


Se o dia se estica até às dez
estendido pelo rolo imperioso da massa,
no que resta, uma réstia, até à meia-noite,
cabe à justa a mentira
que há na partícula salvífica
uma fatia de piza 
para a celebração da madrugada.

Na evidência do descartar das horas
o brilho vem do céu, cada vez mais claro,
cada vez mais seco.
Da emergência do quarto das pedras
sobra a inutilidade da roupa suada,
não sobrando nada
para o orvalho matinal.

Tem dias em que não existe noite.
A brancura da claridade de mercúrio
impede que a condensação se faça.
A função do higrómetro aquieta-se
perto do zero absoluto.

Depois da salvífica comunhão das dez,
branca, a noite volatiza-se branca.
Sem o orvalho da manhã
que olhos hão de enfrentar o real?




hajota



Alves Rosa, Escritos Tortos