sábado, 29 de outubro de 2016

Andei perdido



Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes
Ergue-se a lua como a minha Sina

Álvaro de Campos, quadra de Opiário






Salvador Dali, a desintegração da persistência da memória







Andei perdido no veneno das bagas
a suar o frio do loureiro traiçoeiro

O horizonte tão largo de anjo 
- olhos de desejo -
reduzido apertado
Apartado 
sem asas eu nu à mercê do destino
Fui ao centro de mim como nunca fiz

Peixe de olhos fixos sem mar 
sem chorar
vi-me estiolado na pedra fria  
Tiraram-me a escama que refulge a noite
mas não foi fatal

Puseram a mão no meu coração
mas a alma desalmada não viram

Sobrevieram rosários de mistérios
dolorosos e delírios gozosos 
Bastavam os olhos da noite e do dia
fechados 
e era a cor de salmão que se abria
em azuis 
Páginas e páginas impressas
letra redonda escorrendo as águas
passadas 
do rio sem tempo marcado

Inexplicavelmente depois pintura
a povoar paredes de galeria
Eu espantado:
El Greco Pieter Brugel o velho renascentista
Rubens de feminilidades barrocas   
e Goyas de romântica estética
Onde é que eu vi isto?

Em terno sustento voltei à tona
uvas abrunhos  maçãs "forever young"
Desalmado mas com coração!


hajota


35 comentários:

  1. Felicíssimo pelo seu regresso, Agostinho, ainda por cima adivinhando-lhe novo fôlego. Venha de lá, então, essa fruta.

    Forte abraço

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  2. Um encontro secreto feito de memórias que só o tempo decifra... Porque somos sempre jovens na alma e no coração...
    Lindo...
    Beijos e abraços
    Marta

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  3. Desalmado? Não acredito! e, se lhe mexeram no coração, decerto foi para ficar ainda melhor.

    Boas e rápidas melhoras. Beijinhos poéticos.

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  4. Um poema a transbordar angústia , mas também resiliência.

    Abraço grande e que a vitória lhe sorria

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  5. "Fui ao centro de mim como nunca fiz"...
    As palavras de todo o poema definem uma trajectória difícil e o reinício vital do coração à deriva.
    As minhas palavras ficam suspensas num labirinto de abstracções e de um pressentimento entreaberto ao silêncio...
    Que esteja bem, meu Amigo Agostinho.
    Um beijo.

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  6. Boa tarde, "Puseram a mão no meu coração mas a alma desalmada não viram" nunca viram porque será? o poema é objectivo.
    Boa semana,
    AG

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  7. Interpretei este seu intenso poema não como uma perda mas como um renascer.
    Acho que acertei !

    Um beijinho com o desejo de melhoras.

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  8. Passou por um período complicado, Agostinho.
    E pelo medo e dúvida associados ao mesmo.
    Já lá vai.
    Aquele abraço, boa semana

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  9. Muito interessante a partilha poética
    do momento mais difícil da sua vida física...
    Estar nu, inerte e desalmado, é uma situação chocante...
    Porém, regressou com a mentalidade diferente de quem se reencontrou.
    O meu alegre contentamento por estar de volta.
    Terno abraço, amigo.
    ~~~~~~~~~~~~~

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  10. Já tinha saudades!
    Bem vindo!
    Campos e Dali, belas escolhas para acompanhar o seu poema de regresso.
    beijinho

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  11. E por andares perdido foste caminhar por veredas que somente o teu pensar e o teu sentir poderiam percorrer...
    E sem asas e nu ficaste “à mercê do destino” e talvez por isso pudeste ir ao centro de ti mesmo como nunca antes o fizeste...
    E talvez, por terem colocado a mão no teu coração sem verem a “alma desalmada” tu pudeste passear por galerias a apreciar obras de tão renomados pintores...
    Sol, desculpe ter passeado um pouco neste teu poema de introspecção tamanha que as imagens nos chegam formando labirintos que tentamos percorrer sem no entanto lograr o êxito de decifrar os enigmas. Não há como ousar tal intento, visto que poemas deste quilate (como sabes bem produzir) são feitos apenas para serem apreciados.
    Que a tua semana seja plena de alegria e paz.
    Um beijo no teu coração,
    Leninha

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  12. Haja coração para tão bela inspiração.
    Beijinho.

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  13. Parabéns, Agostinho, por este seu belo poema.
    Gostei muito.
    Grande abraço.

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  14. o coração esteve apenas nas nuvens e sabe sempre o caminho de regresso a casa

    um abraço, Agostinho

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  15. Caro Agostinho,

    Primeiro, quero deixar o meu sentir solidário com este seu
    momento (já superado) e o poeta pronto para sua arte, a poesia!...

    Esta sua singularidade poética encanta a todos nós, seus leitores.
    Maravilhoso contactar com todos os elementos expressivos, ricos
    de simbologia num todo da sua arte: imagem escolhida e o poema.

    Excelente recuperação, Poeta!
    Bj.

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  16. Grande poeta, visitei este espaço de cabo a rabo sem ir às postagens antigas. Vi no cabo Fernando, o meu guru e no fim a perda do paraíso. No miolo os mais belos poemas que na atualidade se produz. Parabéns, meu mestre! Voltarei quantas vezes sentir a alma vazia em busca desse alimento precioso, a poesia que aqui sobeja. Abraço fraterno. Laerte (Silo).

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  17. Um poema intenso e profundo nas sua metaforas
    o Poeta desceu ao limbo
    e submergiu à tona da vida
    e resistiu
    e consegui transpor tudo isso neste poema tão nu e tão rico
    (claro que me emocionei,e muito)
    um beijinho

    ;)

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  18. Um poema para ler com os olhos da alma. Ausência que sentimos quando fazemos um regresso a casa e nos identificamos com os cheiros nossos conhecidos da fogueira, das roupas e sobretudo dos amigos.
    Abraço e votos de que o teu regresso seja bom para ti e para nós.

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  19. Um momento estupendo entre a dor e a poesia, traduzido nas palavras do poeta...Lindos escritos....

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  20. Agostinho, meu querido amigo, vim deixar-te um beijo aninhado nos votos de um Domingo pleno de alegrias e paz junto aos teus. Continuo a desejar que teu restabelecimento seja pleno.
    Fica em paz, e quando puderes nos dê um ALÔ para sossegar o coração dos amigos que te querem bem.
    Com carinho,
    Leninha

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  21. Ui, Agostinho! Que regresso!
    Mexeram-te no coração, mas aguçaram-te a inspiração.
    Este teu poema de "Homem Novo" é sublime. Eu, que te conheço bem, leio nele um enorme (e quão inspirado!) grito de alívio. E vejo também uma espécie de epopeia acerca da condição humana: tão frágil/pobre (fisicamente) e tão forte/rica (espiritualmente)!

    "Andei perdido no veneno da bagas
    a suar o frio do loureiro traiçoeiro"
    (Tão poderoso!)

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  22. Agostinho,
    O que dizer?
    Gostei muito como calcula.
    Sou fã do surrealismo e de todos os pintores e escolas que referiu.:))
    Beijinho.

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  23. Um beijinho grato e bom fim de semana Agostinho.

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  24. A sua sensibilidade, acima de tudo!
    Um abraço!

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  25. Regressou o homem e com ele o grande poeta...
    Excelente poema, gostei imenso!
    Que o regresso tenha sido definitivo, tanto quanto, seja o for, pode ser definitivo...

    Votos de um Domingo feliz
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  26. Agostinho, meu querido, passando para te deixar um beijo aconchegado no desejo de que a tua semana seja plena de alegria e paz. Espero que a saúde já esteja recuperada.
    Com carinho,
    Leninha

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  27. A alma é intocável.
    O coração, nem tanto...
    Excelente poema, os meus aplausos por esta pérola poética.
    Uma boa semana, caro amigo Agostinho.
    Abraço.

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  28. ✿゚ه° ·.
    Realidade surrealista... mas, Deus sempre nos surpreende, não é mesmo?!...
    É muito bom ter você de volta, poeta!
    Com muita saúde e inspiração!!!
    Boa semana, com tudo de bom!
    Beijinhos.

    ⎝❀ه° ·.

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  29. Pois então, Agostinho, amigo porta, assim vamos seguindo, remexidos, almados ou desalmados, por vezes assim, ou nem tanto.

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  30. E o Agostinho disse tudo... Fui ao centro de mim, como nunca fiz... e depois de tal... tudo se vez com mais alma... ou menos... pois aprende-se a relativizar uma série de coisas... e a destrinçar o que realmente passa a importar... do que não importa mais...
    Uma coisa é certa... quanto mais nos perdemos... é mesmo quanto mais nos reencontramos a nós mesmos...
    E aqui para nós... que bom, que não se perdeu de nós...
    Um grande abraço! Bom domingo!
    Ana

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