sábado, 20 de fevereiro de 2021

Aí, há homens que vivem, pálidos, sem cor,

e morrem sem saber por que sofreram

E nenhum deles vê o pobre trejeito

que ao fim de noites sem nome veio substituir

o sorriso feliz de um povo meigo


Rainer Maria Rilke



oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo


fountain, marcel duchamp, web


oooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo


No bidé metrómano de torneira, o pingo

pinga pinga pinga o ritmo da larga partitura

A princípio audível na cabeça o som ainda,

pingue noturno minimalista lento chato,

fez-se surdo, nódoa oxidada na osteoporótica por-

celana, brancura na ideia que alastra ao corpo

à casa a tudo: a luz ausentou-se da gente enfim.


A lei da seca estabelecera o enterramento

das bibliotecas, o encerramento das livrarias,

portas e postigos lacrados, e a subversão

desceu à rua porta a porta em corpo invisível.

 

A necessidade de livros estalou por toda a parte

num tempo de reclusão tão farto de liberdade

mas da abundância de tempo, livres para fazer  

aquilo para que não havia tempo, a erosão dum vento

demente fez à sorrelfa um vazio na mente.


Sem margens marcos paredes parapeitos

onde hão-de descansar os cotovelos que suportam

a cúpula se a fonte corre ao contrário?


hajota


13 comentários:

  1. Há tanta coisa a correr ao contrário...
    Gostei muito do seu poema. E do que introduziu o tema.
    Chegamos a um ponto em que o sofrimento se confunde com ausência de lamento, vazio na mente sem tento, onde tudo serve de pretexto para confinamento.
    Haja esperança ainda assim.

    Bjos.

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  2. Um mundo estéril...onde tudo parece estar perdido e à mercê de traições...
    Interessante....
    Beijos e abraços
    Marta

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  3. Muito interessante esta publicação!! :)
    -
    Existem sonhos por realizar ...
    -
    Beijo e um excelente Domingo. Fique em casa.

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  4. É larga a partitura do seu poema tão cheio de ironia. Ouço o pinga pinga que se alastra em nós até se transformar em subversão contra o excesso de um tempo que nos deixa órfãos dos nossos hábitos, da nossa rotina, até da liberdade que tantas vezes damos por adquirida.
    Uma boa semana, meu Amigo Agostinho.
    Gosto quando volta. Cuide-se bem.
    Um beijo.

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  5. Decretada, mas de confusa leitura,
    desce a proibição à rua.
    Já não precisamos de livros
    Somos "livres" !
    Confinados, mas livres no desejo, no
    pensamento, na escolha dos sentimentos.

    Os meus cotovelos estão doridos de parapeitos e janelas. Mas ainda espírito sol de esperança.

    Um belo e gritante poema, que é de [....]..."abundância de tempo, livres para fazer
    aquilo para que não havia tempo, a erosão dum vento"[...].
    Gostei muito.
    Um Abraço e cuide-se, Agostinho.

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  6. A gota como um pêndulo de relógio
    a contar por entre os dedos

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  7. Um dos poemas mais intensos, profundos, fascinantes, que li até hoje. Sublime maravilha literária.
    Fiquei seguidor.
    .
    Abraço poético
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  8. Agostinho,
    Vim matar a saudade,
    lhe desejar boa
    noite e deparo com essa
    maravilhosa construção poética!
    Concordo com o Ricardo.
    Gosto de todo tipo de poesia,
    mas amo construções elaboradas
    que desafiam nossa inteligência.
    Bravíssimo!
    Bjins de boa nova semana
    CatiahoAlc.

    Bravíssimo!

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  9. Agostinho
    este poema é forte e para quem o entendeu é a realidade do tempo que estamos atravessando.
    parece que pinga, mas o pingo é pingo ou não é.
    anda tudo ao contrário, e está tudo bem, quando sabemos que nada está bem.
    mas, este poema é um grito corrosivo e afinal tem um pouco de ironia.
    para atenuar ou intensificar o alerta?!
    Muito obrigada pelas suas visitas e incentivo que me dá tanto na escrita como na fotografia.
    Mando um abraço bem apertado e comovido.
    Boa semana com muita paz e saúde.
    Beijinhos
    :)

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  10. O tormento da clausura das celas que rebentam com a clausura de ideias.
    E tanto que aqui não cabe!
    Perfeito e belo como sempre, Agostinho
    Um beijo!

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  11. Saímos pelo mundo em busca de nossos sonhos e ideais. Muitas vezes colocamos nos lugares inacessíveis o que está ao alcance das mãos.

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  12. Um acutilante e assertivo poema, também sobre a medida absurda, que foi fechar bibliotecas e papelarias... quando mais do que nunca, precisamos de ocupar a mente, quando o tempo se sente a passar tão mais devagar...
    Medidas emergentes, de algum ser pensante... que realmente também pensa ao contrário... pelo intestinos, certamente...
    Agora o que também pinga a conta-gotas, são as vacinas... calendariza-se o desconfinamento... que já se sabe, irá trazer, dentro de poucas semanas, novo tormento...
    A minha mãe, foi chamada, para tomar a vacina da Pfizer... felizmente correu tudo bem, com a primeira toma... e problemas do foro cardíaco, circulatório e respiratório não lhe faltam... lá para o final do mês, devem chamar de novo, para marcar o dia, da segunda toma... já que o prazo foi alargado...
    Eu conto ir na Fase 3... ou na Fase 333, por este andar... também quando chegar... já devo estar mais do que vacinada naturalmente... já que o mundo não é estanque... e é impossível não se contactar com a virose, de alguma forma... mas desde que seja uma carga viral pequena... certamente, e com os máximos cuidados... lá vamos passando, por entre os intervalos da chuva... já com duas máscaras de cada vez, pois claro, em cada saída... e pelo sim, pelo não... sempre com mãe à distância... com vacina ou sem vacina... pois resultados da mesma... também só o tempo o dirá...
    Um beijinho, Agostinho! Estimando que tudo se encontre bem, aí desse lado!
    Ana

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