sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Raspadinhas

imagem na web
Neste nosso tempo a fé tem-se desviado dos locais canónicos e encaminhado, prosaicamente, para os negócios do jogo. O coração continua a levar de vencida a racionalidade, na forma mais primária, roçando a crendice e a superstição, por se saber de antemão que o jogo funciona de forma aleatória mas salvaguardando sempre a sustentabilidade do negócio.

“Portugueses gastam seis vezes mais na raspadinha do que antes da crise” é o título do Público na secção de economia de hoje, 2 de Janeiro de 2015. Esta evidência é bem demonstrativa da natureza humana: à medida que se degradada a situação económica maior é a fé das pessoas no jogo. À necessidade de resultados urgentes, imediatos, que não se compadecem com protelamentos, sorteios, esforço mental ou físico, corresponde uma fé inabalável: o que interessa é ser-se rico depressa, agora. 

 O Governo, que se arvorou em salvador da pátria baseado na cartilha neoliberal, andou nos últimos anos, e continua a andar, a afogar o país. Presentemente a moda é passar flores de mão em mão para que frutifiquem em outubro, querendo fazer crer que tem preocupações de ordem social. Com os chamados programas de ajustamento estimulou tão só a tendência para a indigência material e intelectual da maioria das populações, com especial efeito nas classes mais desfavorecidas. A notícia referida vem confirmar o que era esperado por muitos: a degradação acelerada da pessoa.

A política de destruição da economia, tendo por objetivo o lucro a todo o custo, teve/tem os resultados que sabemos, mormente na falta de trabalho, pilar indispensável de suporte em qualquer sociedade organizada; a ética que mantém a coesão harmoniosa dos indivíduos em sociedade cai por terra e a elevação do espírito humano e de cidadania passa a ser teórica, impossível de realizar.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa teve um aumento das suas receitas. Santa é a solução!!! Imagine-se a perfeição do sistema: o negócio do jogo, das raspadinhas, alimentado pelo povo, subsidia a assistência aos “desvalidos” desse mesmo povo: cria fraternidade, solidariedade e valor – palavra mágica na economia – santificado. E as Finanças abocanham logo um bom naco para o caldeiro da receita. 

O país poderá aspirar à glória de campeão no desporto do raspar.


16 comentários:

  1. Ah, meu amigo, tenho pensado tanto nisto, mesmo antes da saída do artigo...
    Sabe? Antes, para comprar o jornal era um entrar, cumprimentar e sair. Hoje o processo, está profundamente alterado. O processo e o seu desenrolar. Na fila, o da frente, diz-me: "agora é que vai ser!", o de trás, ansioso, agita a raspadinha e faz-lhe um sorriso superior "a mim, já foi. Dez euritos já cá cantam". A que está a ser atendida, quase desmaia por ter gasto o vencimento, ter raspado, sem lhe sair nada, e grita "Ai a minha vida". A que está a seguir, bem posta e bem pintada, mostra-se solidária "fica para a próxima". Eu espero, mais um quarto de hora depois de um quarto de hora ter esperado. Depois de comprar o jornal não posso deixar de pensar "Se o Santana se candidatar, ganha!, basta que alguém lhe diga o que se passou nesta fila"

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  2. Tantas coisas que eu não consigo entender...
    Antes dizia-se - Sem ovos não se pode fazer omelete.
    Certamente os euros gastos no jogo faltam para comprar pão ou leite,mas cada um sabe de si...O sonho de ser rico é uma ilusão cega.

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  3. Esta minha visitinha rápida não invalida que eu volte com mais tempo e comente.
    O “copy & paste”, de que me estou servindo e só uso quando não tenho alternativa, serve apenas para agradecer a tua última presença no ÉS A MINHA DEUSA.
    Que 2015 seja particularmente benéfico e realize os teus sonhos.
    Até tão breve quanto possível. Obrigado pela compreensão.
    Um beijo/abraço.
    MIGUEL

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  4. Não me revejo no seu excelente texto, mas confesso que também gosto muito de comprar uma raspadinha...

    Bom dia!

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  5. "À necessidade de resultados urgentes, imediatos, que não se compadecem com protelamentos, sorteios, esforço mental ou físico, corresponde uma fé inabalável: o que interessa é ser-se rico depressa, agora."
    Como estou de acordo consigo, meu amigo. Este país está doente. Quem poderá salvá-lo?
    Um beijo.

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  6. Agostinho,
    O seu texto vai para além da raspadinha, é uma análise profunda do estado actual a que chegámos. Estes senhores querem deitar poeira para os olhos... só espero que o povo não engula.
    "a moda é passar flores de mão em mão para que frutifiquem em outubro, querendo fazer crer que tem preocupações de ordem social."
    Apreciei sobremaneira esta sua imagem.
    Posso levá-la?
    Nunca comprei uma raspadinha mas julgo que o efeito nas pessoas é sair da crise em que caíram.
    O sonho de ser rico, quem o não tem?
    Julgo que a Santa Casa poderá distribuir de outro modo, como as ajudas que dá, e nesse sentido o jogo ajuda todos.
    Boa noite e obrigada. :))

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  7. Agostinhamigo

    Ora bem. Antes de entrar no comentário ao texto brilhante como sempre espero que me permitas duas trocas de ideias com dois comentadores que me antecederam. E, mesmo que não mo permitas, quero lá saber, ele já cá está... (Espero que não o elimines...)

    Assim sendo, começo por comentar o comentário do Rogério G. V. Pereira A vida é um jogo e o jogo é feito de ilusão; por isso há quem diga que a vida é também uma ilusão. A fila de que falas é diversificada. Em todos os locais onde a máquina da "Santa" Casa funciona há todos os dias, quiçá todas as horas, mesmo todos os minutos e todos os segundos quem aposte - na vida? Há quem prefira raspar na ânsia de ganhar umas moedas, quem sabe algumas notas; mas há infelizmente quem opte por raspar-se cumprindo a ordem do (des)Governo. Assim, desta torpe maneira dos sôres de Belém e de São Bento, não vamos sequer à fila para raspar. O ideal era - oh se era!!!... - rasparem-se os bandalhos! De vez.

    Sigo a comentar mais um comentário, desta feita da autoria da Anamiga A "Santa" Casa que diz que é da Misericórdia é um bom trampolim para o seu actual provador, ups, provedor Santana Lopes. Desde que conheço este sôr (e vai para muitos anos) lhe conheci o gosto pelo poder. Chefe desastrado de um desastroso (des)Governo, não aprendeu com o "desastre" que lhe aconteceu e quer voltar a... desastrar Talvez lhe saiam erradas as contas; mas uma coisa é certa: de misericordioso não tem nada. .

    Agora sim aplaudo o Agostinhamigo porque há motivos para bater palmas. Vamos por partes Fé? O que é isso? Fá, vá lá é nota de música que não ´´e sol. E o Sol da liberdade do Homem é o que nos falta, por mor destes gatunos do (des)Governo que o tapam todos os dias com mais de uma peneira - muitas!

    A raspadinha é a irmã mais nova do bilhete da lotaria, do totobola, do euromilhões, do jocker e de mais outros. São máquinas de fazer milhões para "dar" uns tostões aos mais necessitados. É um bom tacho, ganham bem os dirigentes que acompanham o hipotético candidato a Belém, têm mordomias bem recheadas, enfim não raspam nada, pois "eles comem tudo e não deixam nada".

    Desesperados os famintos, os desempregados, os reformados .jogam à raspadinha para - grande ilusão!... - ganham algum do muito que quotidianamente os (des)governantes lhes roubaram.

    Supostamente - e bem o dizes - a "Santa" recolhe as ma$$a$ para dar uma parte dela aos "desvalidos". Mas os €€€€€ cada vez mais são raros e caros. A "Santa" é como a estória de uma cama para dois com metade de um cobertor para um...

    Tens carradas de razão quando te referes às Finanças: se isto agora está mau muito depressa ficará pior. E a Fiscalidade Verde? E o preço dos combustíveis? É um space shutlle, um vai-e-vem espacial, quando o barril de petróleo cai todos os dias.

    E por aqui me fico, pedindo-te desculpa, Agostinhamigo, pelo espaço que te roubei e o tempo que gastares ao ler este texto que não é um textículo; bem ao contrário é um texticulão.

    Abç

    .

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    1. Não pedi permissão ao Agostinho mas não consigo deixar de responder.
      Amigo Antunes,
      Ora bem não apoio o Santana Lopes, nem nunca o apoiei. Julgo que apesar do poder, a Santa Casa vai para lá disso, ajuda e traz de alguma forma, algum alento aos que precisam. Aqui não falo do Santana Lopes mas das pessoas que auxiliam quem precisa. O dinheiro do jogo pode não ser bem gerido mas a SC faz o que o Estado não faz e devia fazer.
      Esta é a minha visão. Os desvalidos pelo menos podem contar com ela...

      Agostinho desculpe o abuso e boa tarde para os dois. :))

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  8. Muito boa a reflexão, Agostinho.Quando em crise, muitas vezes a pessoa busca a solução mais fácil, a mais cômoda e não a melhor.Uma lástima que abre espaço para todo tipo de sorte.

    Beijinho.

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  9. .

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    . à distância . do desespero . :( .

    .

    . um abraço .

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  10. Tinha visto a reportagem ontem.
    Quando se joga desta forma, em tudo, é sinal que se deixa a esperança para se procurar a sorte.
    Aquele abraço, votos de boa semana

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  11. Boa tarde, infelizmente neste Portugal em que os pobres passaram a desgraçados e a classe media a pobres, as pessoas olham e tentam a raspadinha com tábua de salvação.
    AG

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  12. Venho à liça dar uma achega para que fique mais perce(p)tível o que penso: o ato de raspar NA SUA ESSÊNCIA é uma indignidade. Mas não acuso quem o faz. A resolução do problema só acontecerá indo à origem do mesmo. Chegados aí em vez de se raspar quem sabe se a gente safa(-se).

    A Ana na resposta a Henriquamigo toca no ponto nevrálgico do problema, no sítio onde dói mais, e eu sinto-o: “a SC (Santa Casa) faz o que o Estado não faz e devia fazer”.

    Não se resolvem os problemas sociais criando cantinas comunitárias e multiplicando instituições que prestam serviços de natureza social ou “caritativa” como forma de colmatar as queimaduras do napalm do desemprego. O que tem sido feito é promover a indigência de gerações. Que raio de futuro terá o país - o dos filhos dos cidadãos de mão estendida? Os problemas só podem ser debelados com políticas de emprego e de remuneração justas e dignas.

    O Estado não tem de ser mau gestor para que a iniciativa privada tenha oportunidades de negócio, pelo contrário, tem de ser – obrigatoriamente – bom gestor para que todos tenham a sua oportunidade com regras transparentes. O Governo deve demitir-se sempre que se sinta manietado por razões obscuras, não deve andar a esconder e a mentir; e deve pedir autoridade democrática reforçada em eleições, explicando com verdade os constrangimentos que o tolhem.

    As centenas e centenas de milhões desbaratados em estudos que não conduzem a nada a quem aproveitam? (nem vale a pena apontar quais; o que se vê é que, ano após ano, década após década, se constroem quilómetros e quilómetros de estantes que “decoram” paredes dos Ministérios e dos Serviços). Esse dinheiro, destruído em papel, somado aos milhões gastos em investimentos errados e abusivos, é mais que suficiente para a prossecução de políticas sérias de investimento público, com programas criteriosamente selecionados, de reconhecida necessidade e escrupulosamente monitorizados no seu desenvolvimento.

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  13. A ilusão, o sonho comanda a vida.
    E como a maioria dos portugueses vivem mergulhados em cinzento (sinto-me incluida neste rol) nada como jogar e viver uns segundos de esperança fictícia.

    beijinhos

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