As mãos a princípio cal
imaculada sem pecado
de pureza virginal vão
deixando o branco original
nas farripas do mar à medida
que as linhas no azul
trazem o horizonte para a
borda do barco. O sal
a queimar cândidas esperanças
por um vintém
e o fio a rasgar a carne um rio de peixe vermelho
a desaguar no mar o resto que
resta da inocência
perdida em séculos de
território de indolência
Superstição. Há séculos que
as aras sacrificiais
se mantêm pela ignorância das
praxis o vermelho
esquecido - o pacto feito com a
natureza. Perdeu-se
a fé no atrevimento de
caminhar nas águas. Sozinho
tornou-se num risco a
travessia do rio. O medo
mantém-na à margem. Houvesse
barqueiro
que levasse a migalha ao
outro lado de regresso
à inocência branca quando
ainda cor nenhuma
O sopro dos ventos alíseos carregou
anos a fio
o finíssimo pó que tempera o
ocre dos desertos
desintegrado do trópico de
capricórnio da magia
Já não sente o sangue que
marca o ato de nascer
e androceus de manchas
queimando as dobras
lençóis enrolados na margem
do queixo
espadanando transparências no
lobo da ínsula
são procura dum istmo que lhe devolva
a península
hajota
A Esperança
Chagall, blue angel |
E depois talvez venha
O anjo da visita e do poema
E traga o lume e a lenha
Do incêndio pedido.
Talvez venha,
De ritmos vestido.
Talvez... E, como outrora,
Ponha sobre a cabeça
Do poeta de agora
Os versos que ele mereça.
Em forma de grinalda,
Inocente e florida,
Talvez o faça ungido
Dum grito a mais na vida
Inútil e dorido...
Miguel Torga, Poesia completa, vol I, Ed. D. Quixote
Talvez seja possível... Ou talvez não.... Resta a esperança de que seja...
ResponderEliminarAdorei as telas escolhidas e o poema de Miguel Torga...
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
Este seu poema não é um grito "inútil e dorido", é um canto à natureza, mas uma análise quebraria a magia. Um poema é uma oração com poder na melodia das palavras que nos transportam para uma outra dimensão sobrenatural de paraísos possíveis (perdidos ou jamais encontrados) que confortam a alma. Foi o que senti com a leitura do poema.
ResponderEliminarGostei da associação ao poema de Torga, a poesia é a esperança a repor a ordem no caos.
Chagall e o anjo, azul (claro!), deu o toque final.
Parabéns!
Feliz 2016!
ResponderEliminarUm abraço
Agostinho,
ResponderEliminarO seu poema é lindo e conjugá-lo com Chagall é a união perfeita. Aliás parece que nasceram ambos um para o outro. O diálogo com Torga foi o êxtase final. Muito bem urdida esta postagem. Parabéns.
Beijinho e bom dia de Reis.:))
A perda da inocência?
ResponderEliminarMuito bem escrito. Mas tem de ser lido por muito mais de uma vez. Muito bem escrito... (Do quadro, nem é preciso falar... um espanto de cor e de luz!) Que bom gosto!
Talvez
ResponderEliminaré a palavra proibida
que só admito
na voz de um poeta
quando esta se inquieta
É que a esperança, meu amigo
é, para mim (raro em versos)
é uma certeza
Este poema é um bálsamo para quem sempre esteve numa península. Ainda que já perdida, ela se mantém dentro de mim. Pelo postigo, sempre a vislumbro.
ResponderEliminarUm belo poema. Ainda mais convencido de que as palavras manterão o vínculo que sempre teve com você.
Abr.,
A tua bela poética é a poética do surpreendente, como aprecio
ResponderEliminaraqueles que alcançam este patamar de luminosidade expressiva.
E sempre bem acompanhado: Chagall e Torga!...
Fico maravilhada quando voo aqui, é aquele voo com a certeza
do encontro do belo com o ineditismo!
Bjs.
Perante esta maravilha, que se poupem as palavras. Permita-me apenas, caro Agostinho, que lhe dê os parabéns pela obra forjada.
ResponderEliminarUm abraço
As mãos seguram a inocência inicial: "a inocência branca quando ainda cor nenhuma".Desintegrada a magia fica uma ilha à espera que o "istmo lhe devolva a península" enquanto o olhar se acende de fragilidade. "E depois talvez venha o anjo da visita e do poema"...
ResponderEliminarQue maravilha, meu amigo Agostinho, este seu poema! O diálogo com Torga e com Chagall tem uma cumplicidade maravilhosa.
Um beijo.
Sublime, como sempre, Agostinho.
ResponderEliminarAquele abraço, bfds
A simbiose perfeita, entre quem pintou o poema... e quem escreveu o quadro...
ResponderEliminarTalento ao mais alto nível... em todas as vertentes, por aqui!
E a conjugação de Torga com Chagall... nada mais improvável... e nada mais acertado...
Parabéns, por esta verdadeira obra prima em toda a linha, que é este post!
Da inocência, à perda da fé, em caminhar-se sózinho... vai toda uma vida... brilhantemente exposta em palavras...
Abraço! Bom fim de semana!
Ana
quando ainda cor nenhuma
ResponderEliminarera a esperança do princípio do mundo
um abraço, Agostinho
Haja esperança no renascimento e na redenção!
ResponderEliminarBeijinhos, Agostinho :)
Repito
ResponderEliminarsempre um prazer viajar pelos teus apeadeiros
Abraço
eloquente poema! catártico, pressente-se!...
ResponderEliminara dor sublima-se em poesia...
forte abraço
GRANDE MOMENTO! TALVEZ O MAIOR, ATÉ AGORA, NESTE TEU MUNDO... ESTE É UM NOTÁVEL POEMA, AGOSTINHO! NEM CHAGAL NEM TORGA SE SENTIRÃO INCOMODADOS COM A PARTILHA; PELO CONTRÁRIO, HONRADOS! SE HUMILDES...
ResponderEliminarNos custa muito perder a inocência...
ResponderEliminarUm privilégio te ler, Agostinho.
Saudades daqui também.
Beijinho, meu querido.
Superstição, veneno que corrói a lucidez!
ResponderEliminarGosto de Chagall
Agradeço as visitas e convido-o a voltar sempre
Feliz semana
Agradeço e retribuo o carinho das palavras deixadas no meu "Ortografia".
ResponderEliminarUm beijo, meu amigo Agostinho.
O preço do conhecimento! Lindo e tão profundamente simbólico que se oferece a leitura de todos! Abraços!
ResponderEliminare a cor e o medo e o talento...tudo junto
ResponderEliminar;)
beijo
No encontro vazio do que não mais tinha....
ResponderEliminarabç