quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Da ausência do Pinhal


(...) A cabeça ficara marcada, invisível, mas quando me deitava de costas, na escuridão, sentia uma queimadura na têmpora, a crosta fervendo por baixo, da nuca à testa. Interpretava-a como uma cicatriz que me acompanharia até à morte, o emblema de uma guerra assombrosa de que já esquecera os pormenores e o sentido. (...)


Herberto Hélder, Servidões






http://rr.sapo.pt/noticia/95895/


As dunas a esmorecer de pele nua 
perderam o viço a urze e o feto,
os grãos de areia crescem em deserto.

Rugoso o rosto sentinela não sua
resina e o filtro verde - o nosso amparo -
jaz mirrado em cinza, reparo.

A nortada desmedida tomará posse,
como bárbaro huno o espaço,
sem piedade.

No Inverno virá a capital pena,
incomutável na memória, a cena
dos homens-espectros sem tempo, a morrer,
com saudades dum Pinhal por nascer.
Sem piedade.


hajota

15 comentários:

  1. Quem dera, o homem, tomasse juízo e um pinhal plantasse, mas olho ao meu redor e só vejo eucaliptos alinhados, como pelotão pronto a avançar, sobre as casas, sobre os animais, sobre os homens, ou em contraponto, para a fábrica de celulose, mais ou menos próxima.

    Que saudade dum pinhal a nascer, ou um qualquer plantio autóctone.



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  2. Poema sentido com uma imagem muito triste!

    Beijo e um excelente dia!

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  3. A desilusão...a perda... o desespero... um deserto...
    Interessante...
    Beijos e abraços
    Marta

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  4. Parece-me o "meu" antigo pinhal....
    Nu e triste por causa do homem...

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  5. As ausências são sempre dolorosas,
    mas que são barbaramente provocadas,
    deixam mais do que dor, deixam revolta e uma profunda amargura.

    Beijos, Poeta!

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  6. Muito bom!!!
    Excelente a metáfora. Certeiras as imagens. E duras.

    Muito bom!

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  7. As palavras e as imagens evocam memórias que arrepiam.
    Aquele abraço, bfds

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  8. O fogo impiedoso levou o pinhal que era nosso há tanto tempo. Impossível não sentir o seu poema como um grito de dor, de saudade. Esse pinhal do qual Fernando Pessoa falou, como só ele sabia:
    "E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
    É o som presente desse mar futuro,
    É a voz da terra ansiando pelo mar"...
    E o poeta falava do "plantador de naus a haver" premonitoriamente… Agora a madeira ardida, as cinzas, as areias… Somos mesmo habitantes desleixados deste planeta que é nosso.
    Obrigada, meu Amigo Agostinho, por este poema tão reflexivo e sentido.
    Um bom fim de semana.
    Um beijo.

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  9. Somos os guardiões de coisa nenhuma. Infelizmente a mancha verde, e a esperança da nossa bolinha azul, está a desaparecer a olhos vistos, e que assusta. Muito bonito este poema que é um grito de revolta também. Um beijo Agostinho.

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  10. não sei por que inesperados caprichos de associação de ideias o teu belo
    e desolado poema traz-me à memória a conhecida "Cantiga de amigo" do nosso Rei Trovador
    que semeou, como sabemos, o pinhal de Leiria

    - "Ai flores, ai flores do verde pino,
    se sabedes novas do meu amigo
    Ai Deus, e u é?"

    e perante a angústia do poeta, apenas o "impiedoso" silêncio -
    como cinza fria, depois do fogo.

    um poema admirável. a todos os títulos.

    abraço, caro amigo Agostinho

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  11. Bom dia, Agostinho
    Regressei de férias e, aos poucos, de acordo com as possibilidades de tempo, irei visitando e assim agradecendo, a todos que me visitaram na minha ausência, o que faço seguindo a ordem cronológica dos comentários.
    Obrigada!

    Uma dor profunda nos corrói ao ver imagens como estas e palavras tão duras e certeiras.
    O Inverno está a aparecer... e o pinhal não se vê nascer.
    E o "predador mor" continua, impávido e sereno.

    Aproveito para lembrar que no passado dia 1/9 publiquei o 3º. Capítulo de “SEGREDOS”, e no próximo dia 1/10 será publicado o 4º.

    Bom Fim-de-semana
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  12. Ficará uma Cicatriz perpétua dum desastre cruel.
    Abraço

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  13. "As dunas a esmorecer de pele nua
    perderam o viço a urze e o feto,
    os grãos de areia crescem em deserto"

    Há muitas leituras que não encontrava tão bela imagem, mesmo que de desolação e morte...
    Obrigado, Agostinho, por mais este momento!
    E, a propósito: onde os culpados?

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  14. Palavras brilhantes, e sentidas... para assinalar a perda irreparável... do pinhal... e do país... que sucumbe a esta teia de interesses, por detrás desta indústria do fogo...
    E fica-nos esta revolta... que nos queima por dentro... e um triste legado, para as gerações futuras... cinzas... eucaliptos... e construção desordenada... mas permitida, em muitas das áreas queimadas...
    Adorei este poema tão sentido e assertivo!
    Beijinho
    Ana

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