segunda-feira, 6 de abril de 2020

Covid-19 (2)



Passa, ave, passa, e ensina-me a passar! 
Alberto Caeiro, in O Guardador de Rebanhos   



foto minha


Sozinho em casa
conto um dois três quatro… treze
Que dia é hoje?

Os passarinhos a cruzarem o ar
na azáfama primaveril afinam
instrumentos e o melro negro faz
voos rasantes intercalados de gargalhadas escarninhas
não percebendo que denuncia os seixinhos

E eu?
não voo, não canto. Já nem sei
sozinho: um, dois, três, quatro…

Tomo o pequeno almoço e ligo-me
à tv: covid19…
Um melro, dois melros, três melros
Dois de toucado loiro estúpido
o outro alarvemente coberto de boçalidade
Presumidos assassinos babam
nem dos seixinhos tratam.

E eu?
sem asas, sem voz, já nem sei
suportar os asnos um dois três…

Antes do pasmo da alienação
desligo o medo Desligo-me
Parado contido mitigado
mas indignado fico a um canto
Não voo não canto já não conto
Já não conto?!

Vem luz à mente
um brilho ilumina a treva
uma febre súbita premente instintiva animal:
a necessidade de salvar a vida

Os dias?
conto não conto ligo desligo
Não há presente como fazer o …
Recordo o passado e treino
a amnésia de futuro

hajota

25 comentários:

  1. Profundo...poeticamente perfeito

    Delicioso de ler e. melhor ainda, de ficar em reflexão...


    Não será que neste momento todos nos sentimos prisioneiros numa gaiola? Penso que sim... sentimos

    Cumprimentos

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  2. Que poema tão bonito! Amei de verdade!:)
    -
    Primavera em quarentena ...
    -
    Beijo e uma excelente semana. "Proteja-se"

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  3. Lindo poema bem trazido,Agostinho! Como estás ?: abraços, chica

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  4. O presente está ser complicado.... resta-nos (re)visitar as memórias felizes e pintar o futuro com esperança...
    Brilhante...
    Beijos e abraços
    Marta

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  5. Meu Amigo Agostinho, desligue o medo e ligue a esperança. Isto há-de passar. Não está fácil, é verdade. Se ao menos pudéssemos voar...
    Fazem-nos falta os familiares, os amigos, os abraços. A nossa rotina também nos faz falta. Quem disse que a rotina é má? Quem disse que não gostamos de encontrar os conhecidos e os amigos? Quem disse? A TV nem sequer é boa companhia e fala do covid até à exaustão, até à alienação como refere. Antes ouvir os melros que por estes dias cantam mais que nunca. Por aqui ainda não vi andorinhas. Será que este ano elas não inventaram a primavera?
    Meu Amigo tenha todos os cuidados possíveis e impossíveis. Que os dias passem de forma mais amena. Que tenha saúde. Deixo-lhe um abraço.

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  6. Gostei muito da foto e do poema, que é na verdade a realidade de muitas pessoas hoje em dia:))

    Beijinhos e saúde:))

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  7. Um desencanto.... Sinais dos tempos - destes tempos inquietantes e inquietos que nos apertam e sufocam...

    Mas - há que animar, Poeta!

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  8. Agostinho

    Vale a pena mesmo é ver e ouvir os pássaros livres, são eles os verdadeiros donos do mundo.
    Nós...temos de aprender a passar e a viver o momento fugaz que é a vida!
    Beijinho grande
    Até já!

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  9. Soltem os pássaros
    e os afectos
    Abraço

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  10. não contas? desligas?
    mas ascendeste à casta de "intocável"

    uma maravilha o poema.
    abraço, caro amigo

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  11. Gostei muito do poema, amigo.
    Ao tempo que não lia neste espaço, um poema bem construído
    e não desconstruído...

    É imprescindível usar a criatividade para ocupar o tempo,
    acompanhar apenas as notícias principais e cultivar a paz~
    e esperança.

    Dias pascoais com saúde, poesia e tranquilidade.
    Beijinho
    ~~~~

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  12. Meu querido amigo hajota
    O medo toma conta de nós e temos de nos agarrar à esperança que uma luz surgirá para nós e para o mundo.
    É muita dor que se vê e este poema intenso e realista,fez que, confesso que as lágrimas se soltaram
    desamparadas, mas temos de ser fortes.
    Dentro do possível uma Pãscoa Feliz.
    beijinhos

    :(

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  13. Passo para desejar
    Santa Páscoa, cristã!
    Que a luz desta manhã
    De domingo, no teu lar,
    Venha a iluminar
    Teu espírito e mente
    Com a luz do Onipotente
    Senhor Deus Celestial
    E que o Cordeiro Pascoal
    Seja à tua alma um presente!

    Oi amigo, tudo de bom nesta Páscoa! Abraço! Laerte.

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  14. Pois é, Agostinho, deparamo-nos com uma onda avassaladora que nos impele para as cavernas, acenando, a toda a hora, com a bandeira do medo. Que irá sair daqui?

    Grande abraço

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  15. Reconte, Agostinho

    os pássaros crescem e multiplicam-se, eu agora até oiço cantar um galo. Primeiro não acreditei mas a cada manhã ele canta, apenas não sabe que eu estou aqui

    Também estou cansada de botões de ligar, de écrans, de sms e skype. Não nos basta, mas um dia isto vai mudar. Até lá, um abraço.

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  16. Excelente, o poema, apesar de nos "mostrar" um estado de alma preocupante.
    As mulheres têm a grande vantagem de aguentar melhor a reclusão (algumas NÃO!)
    Mas tudo vai passar... Voltar à normalidade??? Isso é o que veremos...

    RE : Quantas páginas? Cerca de 200 (em tamanho A5, claro!). Mas quer saber a melhor? O último capítulo já está escrito, posso acabar quando me der na telha...

    Feliz Terça-feira e uma boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

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  17. De truz, rapaz!
    Olha, nessas tuas evasões à mata do rato, aproveita para espreitar os seixinhos. Já que os melros, esses toleirões, anda entretidos no namorico... E quando vires que estão prestes, alapa-te e assiste ao milagre!

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  18. E quando os dias deixam de se conseguir contar... temos de arranjar o conteúdo possível, para os conseguir diferenciar!...:-)) Senão acabamos mesmo todos... mal passados!... :-D
    Eu ando em limpezas, arrumações e reparações, no momento... pelo menos com a canseira... já há menos espaço para a insónia e a nervoseira...
    E ando a tratar da saúde, a alguns electrodomésticos, que resolveram entrar em lay-off...
    Devia desligar-me de ouvir tantas notícias... mas não consigo!... Gosto de estar a par da idiotice que paira no mundo... e de vez em quando ainda algo me faz rir... anteontem foi o Trampas dos Desintegrated States, com a sugestão de nos injectarmos com desinfectante para matarmos o vírus... pelo menos, quem lhe der ouvidos... sabe que chega mais depressa ao hospital morto da cura, do que da doença... qualquer uma que tenha... não necessariamente o vírus... :-)) Teve o mérito de unir, as maiores indústrias de produtos de limpeza e desinfectantes... com avisos à população, para não ingerirem nada, que não devessem... enquanto cada um dos seus Estados, completamente à toa, faz o que bem entende...
    Da Coreia... parece que o dos mísseis... teve uma coisita má... e não dá sinais de vida... por esse lado... corona ou não corona... permanece o mistério... mas já ninguém corre o risco de sair à rua e levar com um míssil coreano desgorvernado, na testa... não tão cedo, pelo menos...
    Do Brasil... o BolsoASNO... diz que o seu povo, vive na sarjeta... e já está vacinado... então deve ser por isso, que tantos, estão caindo às centenas, por dia, para o lado...
    Da China... está tudo por lá muito calado... a braços com a segunda vaga... fecharam uma cidade de 10 milhões... que faz fronteira com os russos... mas dizem que está tudo lindamente... e no passa nada...
    Da Rússia... quem sabe o que por lá se passa?... Nem o Puttin, contava que uma virose, lhe viesse minar o império... Mas consta que o vírus por lá... não bate leve... levemente!... Pois cada vez, por lá, tomba mais gente...
    E no meio deste caos mundial... eu só penso.... olha que sossego, é viver esta pandemia em Portugal!... Onde ainda assim, parece que vai mais tudo bem, do que mal!... :-))
    Enfim!... Parece que com máscara, e uns óculos de mergulhador, ou das obras... estamos prontos para enfrentar o bicho lá fora, já que não entrando pela orelha, pelo menos assim, não dá abalo... :-) chegamos a casa, deixamos a roupa de lado, e com um banho, alguma virusice que venha atrelada a nós, vai para o ralo...
    Temos de começar a relativizar a sua importância, sem contudo a desvalorizar... porque ela infelizmente, durante um bom tempo, está mesmo para ficar...
    Gostei imenso da poesia, que tão bem traduz este problema... que antes não tínhamos... o tempo... que antes nos faltava... e que agora, parece que não passa nada...
    Mas recorde-se o passado... abstraiamo-nos ao máximo, deste presente angustiante... e foquemo-nos no futuro!... Pois também não há mal, que sempre dure...
    E como as medidas de confinamento, estarão para ser reduzidas... só nos resta conseguir ir à rua, com o equipamento certo, e mandar também o bicho, para as urtigas...
    Beijinho! Bom domingo!
    Ana

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  19. A Ana Freire é simplesmente maravilhosa ! escreveu tudo que também queria rs
    Nada mais a dizer_só que o Agostinho continue quietinho mesmo com Portugal liberando a passagem.
    E agora temos tempo bastante para cansarde 'nada fazer' ou de muito procurar o que fazer :((
    abraço Agostinho

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  20. Gostei especialmente do final.
    A foto é maravilhosa, também tenho destes frutos no quintal.
    Um beijinho

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  21. Que bonito, tudo!

    Um beijo amigo, Agostinho. :)

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  22. Ola! Gostei do poema.Neste tempo turbulento é algo a ser lido.

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  23. As dores de alma dão poemas fortes e belos.
    E a televisão não é boa companhia, chega até a ser perigosa, principalmente nas horas dos telejornais.

    Muita saúde! Cuide-se.

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  24. Em interregno de blogues, por afazeres pessoais e, sobretudo, pro bono, sinto saudade de visitar amigos blogueiros. A esta distância e na dita segunda vaga, o poema é magistral pelo registo de um estado, o martelamento das notícias e a imprevisibilidade dos acontecimentos.
    Desejo que esteja bem!
    Bjinhos

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