quinta-feira, 25 de abril de 2019

pichem chamem cravem

Mark Rothko, orange, red, yellow





lavrem lavrem
agora que chove outra vez
semeiem poesia semeiem 
esta noite até à alvorada

anunciem anunciem
na rua e no campo o amor
pichem pichem até mais não
a cor vermelha da paixão

chamem chamem 
a cor todos com ardor
cantem cantem a canção
das quadras da Liberdade

pichem chamem cravem
o chão todo deste país
cravem cravem cravem
o  vermelho sonho - cravos 

levantem levantem
os braços todos e mais alguns
(outra vez) ninguém ninguém
esqueça a flor que fez Abril

Sempre quero ver se o Chico nota 
algum cheirinho a alecrim...


hajota

domingo, 21 de abril de 2019

O Humano Ofício V


Em tempo de Páscoa, desejo aos amigos um caminho ousado, renovado a cada passo.
E que as margens nos contenham, não se entorne .a força de viver.

                                                                                                  hajota


oooooOOOooooo


"Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas."


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dai-me (excerto inicial)


                                                                  oooooOOOooooo


van gogh



oooooOOOooooo



O Sol transpinta-se d’alva ao poente
o fogo vermelho sobe desce e esmaece
progressivamente arrefece
Os azuis acinzentam-se cansados
e o violino desce ao cais dolente:
homem
Tantos gestos repetidos pintados
desiguais na  sedutora melodia
dias meses anos sem parar:
o desafio dos mastros erguidos
telas enfunadas num sopro de partidas
e chegadas em torno do fio:
o ir e o voltar ao lar

hajota

quarta-feira, 17 de abril de 2019

O Humano Ofício IV



Ali vimos a veemência do visível
O aparecer total exposto inteiro
E aquilo que nem sequer ousáramos sonhar
Era o verdadeiro

Sophia de Mello Breyner Andressen,
Navegações



oooooOOOooooo




mark rothko





oooooOOOooooo



O movimento impresso de luz percorre
a circular jornada na ecliptica vital
A luz cega de espanto
o simples e o extravagante
e a gradação da sombra seca o tempo
Por isso o ouvido se fixa
no gesto largo do pincel batuta
para que harmonia se faça
a cada figuração
o homem

hajota

terça-feira, 9 de abril de 2019

O Humano Ofício III


Beijo

Num instante
olhos nos olhos
um céu incendiado

Fechados

E por sorte
o fenómeno ocorre
espontâneo tão bem

também
quando chove:
o mesmo céu


hajota


oooooOOOooooo



Foto: Sebastião_salgado


oooooOOOooooo



A figura define-se na devassa
fibra a fibra
do incorpóreo impalpável
a princípio
pincelada a pincelada
de emoções sentimentos diluídos
na pré derme dos fluídos
até à consistência espessa
da força da forma do volume:
corpos coloridos de vida


hajota

terça-feira, 2 de abril de 2019

Humano Ofício II



Mas a manhã não joga ao pião,
nem a brincar se abalança:
o dia corre, a tarde já não tem pressa.

Nuno Júdice, O Mito de Europa, 
(do poema Manhã de Inverno com Sol)



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foto minha


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O humano ofício é chegar à perfeição
à arte!
do afago das cerdas 
que varre o caos da configuração
rectangular
Não se espantem as páginas
no vazio estéril do olhar 
os olhos fogem incontidos para o finito
da noite e do dia da rotação circular
são planos em translação


hajota

segunda-feira, 18 de março de 2019

O Humano Ofício I


Manhã               

Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A fescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro

Sophia de Mello Breyner Adresen,
Livro Sexto




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Anish Kapoor, Flesh, maqueta  (foto minha)



                                                                  ************



O humano ofício é chegar à perfeição
à utopia
em poema de quadros pintados de vida
na identidade das linhas digitais
que se enleiam e desenleiam
nos dedos da mão
na cromatografia
de almas em transfiguração
da paleta de cor firmada em palma:
poema de estrofes varadas por um fio
que leva até ao fim em glória ou perdição


                  hajota

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

O que é a vida




        Entrementes
os sulcos do tempo
do verbo acabar
do paquiderme olhar


Foto de oscar ciucat


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nós
em rotação circular
a medir o tempo de jornada
na alternância da luz e da noite
enquanto sístoles no espaço sideral
deuses por hábito sentados
na elíptica rota (in)finita
espreitando à janela
o que é senão 
queimar
energia
solar
?


         hajota