sexta-feira, 16 de maio de 2014

Refratário


trezentos e doze.
No meio estão três,
criatura, pedra e pau,
no vazio do terreiro.
Aquilo que ali vês
em volta do guerreiro
são negros fantasmas
que bailam a preceito,
roubando-lhe ar ao peito.
Então? porque pasmas?

Espírito livre de teias
tecidas para subjugar
e negação de espingarda
corre-lhe liberalidade nas veias.
Os ossos que carrega na pele
vieram da vida bera.
Para que não perca nenhum
deram-lhe à força uma farda
como nunca tivera.

A sombra de tal figura
farto de vida dura
carrega o peso do contra,
por fintar a tropa,
não fazer papel de lorpa.
Atiram-lhe: inútil, és mau!
Cê 312, uma pedra e pau,
ganhou para sempre uma honra,
marcaram-no. Um ferro em brasa
qualquer ego arrasa.
Extraordinário:
re-fra-tá-ri-o!

Um pau
em três golpes
se faz estaca
(que lhe queimaram a esperança).
Viu-se órfão, desamado, humilhado.
Órfão onde as pedras são pedras
num mundo que não era seu
foi crescer à força como deu
com gente da cidade.

Dum pau e dum golpe, uma vez
sonhou a felicidade.
Nunca se sentiu
tão homem
como quando a viu
confiou, amou e ficou enredado
pelos cabelos nela. E foi deixado.

E um pau quase estaca …
Nas naus da fuga embarcou
como marinheiro embalou
na ilusão de ir para França.
Soltou amarras, de repente
decidiu ir em frente
e um bufo entrou na dança.

Uma estaca em três
Golpes se fez!
Há de cravá-la bem no centro
pelo mundo adentro.
A pedra que tem na mão
desde sempre o acompanha,
foi-lhe dada pelo destino
desde o tempo de menino.
Há de cravar bem com ela
no centro o mundo
até bater bem no fundo.

Aquilo que ali vês
um, dois, três,
no meio da parada,
(quem sabe da pancada?)
são apenas fantasmas
dos ossos que carrega na pele.

Greve de fome, anorexia
nesse tempo não havia
simplesmente não comia.
Para quê? Já tinha tudo,
demónios e a pedra
do tempo de menino,
e mudo
batia, batia, batia
a cabeça num tropel.
Ali no meio do quartel
a estaca que cravava
bem no meio do mundo
cada vez mais fundo
cada vez mais ossos.
Anorexia?
Nesse tempo não havia
simplesmente não comia.

Aquela que o prendeu, não,
os cabelos que lhe levaram o coração
quando ele se dava,
a estaca cravava…
Quando quis ir para França
o carimbo REFRACTÁRIO.
Só espera que
Um pau
Em três golpes
O livre do bufo.

Vem comigo!
Ouves o que eu digo?
Surdo,
batia, batia, batia…
em agonia…
o menino da pedra,
a estaca quase cravada
bem fundo no coração,
e os fantasmas quase nada.
Os três golpes já não
são traição,
tão longe no fundo do mundo.

Na sombra dele
os ossos a saírem da pele
branca branca branca
a saírem da farda
de refratário
à espera …
O anjo já não tarda
na Cê 312.

deixadefrescura.com


(quando o voo da loucura plana ao encontro dos guerreiros escolhe, no ruído do silêncio, os mais puros)



2010
hajota

2 comentários:

  1. Um poema que li e reli e me mostrou tanta melancolia, tanta tristeza, tanta dureza na vida...
    Um abraço.

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  2. ~
    ~ ~ ~ Impressionante, pela situação de extremo sofrimento humano! ~ ~ ~

    ~ Mais uma vez, fico com a sensação que desenrola num espaço brasileiro.

    ~ ~ ~ ~ Um fim de semana agradável e docemente inspirador. ~ ~ ~ ~

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