segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Perdeste-te em prelúdios de palha


A rouquidão que te afoga a garganta
pede o mel que solta os timbres doces,
a secura que te paralisa a língua
pede a seiva que escorre das comissuras do desejo,
a névoa que te obnubila o horizonte
pede a luz que faz crescer o ardor,
o marulhar confuso dos sons que te afunda
pede a brancura serena do silêncio,
as asperezas que te povoam a pele
pedem a brisa suave da praia deserta.

A esperança está no iodo de um beijo
que te resgate num toque de veludo
e tu enredada em abstrações
de transparências etéreas
julgando ter as simetrias lidas no céu
ao alcance da mão
e afinal não saem de onde estão.

Perdeste-te em prelúdios de palha
a roubar sonhos em galáxias
inventadas num torvelinho de insónias
à espera que o dia se fizesse no mar,
que a luxúria da luz inundasse
o ondulante horizonte azul
e limpasse a névoa que te tolhe o olhar.

hajota

el beso de los amantes - René Magritte

23 comentários:

  1. Só o Agostinho podia escrever este poema.
    Um perdição!
    Boa semana

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    1. A presença do Pedro traz-me sempre sentimentos positivos para a luta do dia-a- dia. Obrigado.

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  2. O tema da mudança. Tudo passa e corremos cegos atrás de quimeras. Sonhos de palha que o fogo consome. Prazeres que nos movem e nos abandonam.

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    1. É mesmo, Luís, desperdiçamos os dias nas aparências sem chegar ao cerne.
      Obrigado

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  3. Agostinho,
    Aprecio muito a sua escrita pois me remete à nobreza de uma língua que me encanta. Compreendo que o universo está em expansão e aceito a natureza das perdas, inclusive a necessidade do silêncio e da solidão.
    Mas existe algo disforme no sofrimento quando perdemos a doçura do encontro e não reconhecemos a face amada.
    É um poema que levo à reflexão e muito agradeço.
    Um abraço!

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    1. É com muita alegria que a vejo aqui a comentar com sensibilidade e perspicácia.
      Obrigado e volte sempre que puder.
      Abç

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  4. Este poema, Agostinho é um itinerário de emoções que vão do sonho à nostalgia, da realidade ajustada à memória, ao desencanto. Dá-me vontade de perguntar: "Como pode não arder um fogo que se atiça a sonhos velhos"?
    Poema para reflectir, também.
    Um beijo, amigo.

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    1. A poeta alinha os sentimentos que tem à luz do dia: "Como não pode arder um fogo...". Com uma generosidade rara.
      Obrigado

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  5. E as mãos ficam vazias....o olhar esquecido no tempo...
    Sem que o nevoeiro se levante...
    Brilhante...
    Obrigada pela partilha e pela visita
    Beijos e abraços
    Marta

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    1. Obrigado pelo comentário de mãos cheias.
      Sempre que posso passo por lá.
      Bj amigo

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  6. ~ ~ ~ Até os prelúdios de palha são importantes lições de vida. ~ ~ ~

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    1. Apesar de tudo o coro continua vivo.
      Obrigado pela sua presença.

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  8. mas há sempre um novo amanhecer, por vezes serve para nos encontrarmos .
    muito belo além de nos deixar a pensar.
    :)

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    1. O que é bom, Sol, pensar; julgo ser um dos objetivos da poesia.
      Obrigado por vir aqui e pelo amanhecer que há às terças. A pensar.

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  9. Agostinhamigo

    Um jogo de palavras, de sentimentos, de desejos, de espantos, de esperanças e de desilusões. Um poema intrincado onde se tem de ler o sinuoso percurso do Poeta que és.

    Como sabes, eu sou mais de Prosa, mas também gosto de boa Poesia, o que é o caso; por isso vou reler o Poema, a ver se consigo , qual Teseu, percorrer o labirinto que criaste. E penso que não vou cair no Minotauro. Lagarto, lagarto, lagarto.

    Parabéns e uma pergunta: por que bulas deixaste de ir à nossa Travessa? Que afinal são três: insultei te? Ofendi-te? Estou seguro que não,,, mas vou votar Costa... rrrsss

    Abç

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    1. Obrigado pela visita, HenriquAmigo. A caverna não tem monstros, fica descansado antes pelo contrário. Quem a habita mantém dois olhos que, apesar da erosão dos dias, ainda cumprem o seu papel (embora com uns vidrinhos para compor a imagem). Confere lá a coisa pois paguei as ditas. Quanto a três, foi a conta que Deus fez, melhor seria pois o jogo está xis.

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  10. Um dia entrei com meu primeiro blog.
    Sem imaginar construia
    um cantinho onde viesse habitar estrelas e cometas.
    Na minha vida muita coisa mudou
    Desse dia
    em diante passei a ser Fonte de Amor.
    Nome dado ao meu primeiro habitar.
    Quanto mais o tempo passava
    amizades lindas fui encontrando.
    Outros habitar fui construindo
    até entrar com o blog que mais
    tarde eu daria nome ao meu primeiro livro.
    Agradeço a Deus por tamanha conquista.
    Hoje venho comemorar
    com você mesmo atrasada meu aniversário.
    A lembrança desse dia deixei na
    postagem coso gostar ofereço com muito carinho.
    Um abençoado final de semana.
    Paz ..amor..Evanir.

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    1. Agradeço a presença e como fiquei sabendo do seu aniversário, mesmo fora do dia, nunca é tarde para desejar-lhe as maiores felicidades. E saúde se Deus quiser.
      Abç

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  11. Muito bom, certamente não apenas sugestionado pela imagem que inspira...

    forte abraço

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    1. A vida e o mundo são uma constante inspiração, Daniel.
      Obrigado pela consideração.

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