terça-feira, 4 de março de 2014

Oração de um condenado



dizem-me que Cristo chegou
com tudo feito aos trinta
e eu? neste lugar a marinar,
sem ter onde pisar,
sem presente nem futuro para me salvar?

bem sei que gastei
meses dias horas
acreditando em promessas fatais
em inutilidades sociais,
com impostos taxas e rendas
acima das minhas possibilidades!

sublimado das estatísticas oficiais
para cortar nas gorduras
eu, que sou pele e osso
querem agora matar-me.
ou será por não gastar?
o que vai dar ao mesmo.
serei um equívoco?

como hei de comprar
o sonho e ar para respirar
que meses dias horas preciso
para também ter tudo feito?
que juros terei de pagar aos agiotas, Senhor?
será que são acima das minhas possibilidades?

Cristo morreu aos trinta, por nós,
e eu? morro por quem?

2014
hajota

11 comentários:

  1. Este poema corta como uma faca afiada.
    Excelente, mais uma vez!

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    1. Pena que a faca não tenha dois gumes, Pedro Coimbra.
      Obrigado.

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  2. ~ A situação extrema em que vivem muitos portugueses...
    ~ Parece que ninguém dá por isso...
    ~ Os angustiados, em geral gente honrada, esconde a sua penúria.
    ~ Um poema de tocante denúncia. ~

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    1. Obrigado. Os olhos afeiçoados a algoritmos não descem ao fundo do coração.

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  3. Talvez um tudo-nada panfletário... Eu penso que não é nada fácil compor poemas de cariz explicitamente político.
    A este falta-lhe um pouco menos de "explicitude"... Se me entendes...
    Mas está aí à vista o teu talento!
    (Espero que a corda volte rápido para a arca...)

    Abraço!

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    1. Percebo perfeitamente o teu sentimento. Também eu o achei agressivo mas conclui - se a faca não tiver gume não corta.

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  4. ~
    ~ Há, felizmente, pessoas que não conseguem avaliar o sofrimento de quem está condenado à miséria e que é obrigado a sofucar a sua vergonhosa humilhação, para sofrer o vexame de pedir o suficiente, para um prato de sopa diário.

    ~ Para eles, este quadro de muitos milhares de portugueses, não passa de uma cena de fado!

    ~ Eu tenho a minha filha, gestora, sem trabalho, na eminência de emigrar.

    ~ Apenas me parece excessiva, a imagem da corda. Há que amparar, incentivar e não roubar a esperança.

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    1. Fez lembrar-me da estória "acorda Zé!".
      E o dito, diligente e submisso, a ir buscar a corda.
      - " Ó Zé, não é a corda. Acorda homem.".

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  6. um poema que é um gume cortante num grito de uma actualidade vivida.

    muito pertinente e muito bem construído.

    gostei!

    :)

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